A decadência do motor em V

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O primeiro motor a explosão, patenteado em 1876 por August Otto, teria um único cilindro, mas rapidamente os engenheiros perceberam que a maior quantidade de cilindros possibilitaria incrementar a potência. Mesmo porque, antes mesmo do motor em V, o mercado já contava com propulsores de 2, 3 e 4 cilindros em linha, mas, como havia a necessidade de maiores cavalagens, foi necessário desenvolver mecânicas de mais cilindradas e novas arquiteturas – que ganharam notoriedade durante a Primeira Guerra Mundial.

O conceito inicial de cilindros em linha e contínuos é o mais habitual, mas simultaneamente surgiram os motores com arquitetura em V que apresentavam algumas vantagens, dependendo da aplicação. As primeiras mecânicas com essa geometria foram empregadas na indústria aeronáutica.

Os primeiros motores em V com inclinação de 70° a 90° tinham 8, 10 e 12 cilindros, e uma das primeiras aparições comerciais de algo nesse sentido foi o motor Hispano-Suiza V8 de 140 cv, comercializado em aviões a partir de 1915.
O primeiro veículo Hispano-Suiza a incorporar uma mecânica em V foi o J12, em 1931. Tratava-se de um modelo de 12 cilindros em V, de 9,5 litros, que desenvolvia 220 cv.

LUZES E SOMBRAS

Os motores em V também foram aplicados em veículos comerciais, mas, por causa do alto nível de consumo, sempre tiveram maior vigência no mercado norte-americano, cuja robustez era premissa e também os preços dos combustíveis eram inferiores aos dos tempos atuais. Na Europa, a Scania Vabis desenvolveu o seu primeiro motor V8 em 1926, utilizado, a princípio, em pequenas embarcações.
 
Foi durante a Segunda Guerra Mundial que as mecânicas em V foram incrementadas, com o desenvolvimento de soluções diesel e com o objetivo de racionalizar o espaço para o propulsor. Em um caminhão, a posição do motor em linha sempre tem que ser vertical – o que significa menor aproveitamento do plano horizontal. Por outro lado, uma execução mais compacta em V permite que as mecânicas tenham menor altura, possibilitando ganhar espaço útil no interior da cabine e simultaneamente aportando maior número de cilindros para o mesmo deslocamento.

Os motores em V, geralmente a 90°, se caracterizam por ter um bloco dividido em duas partes unidas na bancada do virabrequim. Em geral, o comando de válvulas fica localizado no centro do V, na mesma linha do virabrequim, ainda que posteriormente tenham surgido soluções mais atuais de duplo comando de válvulas. A presença de um maior número de cilindros e a própria arquitetura em V favorecem um funcionamento mais harmonioso e equilibrado, com maior reparte de cargas térmicas. Por outro lado, os custos de fabricação de uma mecânica em V são superiores, devido a sua maior complexidade.

Reparar esse motor também tende a ter um maior custo. Inicialmente os motores em V eram pesados, volumosos e de prestações limitadas. Pensar que nos anos 1970 os Mercedes V10 desenvolviam 320 cv, uma arquitetura motriz que posteriormente chegaria com o MAN ao patamar dos 700 cv.

Como sucedeu com os blocos em linha, as mecânicas em V também foram adotando as novas tecnologias que se incorporaram ao universo dos caminhões, primeiro com a sobrealimentação por turbo nos motores europeus e por compressor Roots nos norte-americanos Detroit Diesel e Cummins. Com a evolução, foram chegando a refrigeração por intercooler, a alimentação multiválvulas e mais recentemente a gestão eletrônica EDC e as novas tecnologias de combustão, como os injetores-bomba, as bombas unitárias e o common rail.

SERÁ O FIM DA ERA V?

Com as demandas sucessivas por normas ecológicas, a Euro, principalmente a partir da Euro 3, as veteranas arquiteturas em V estão a míngua, como aconteceu com o Mack EE9, que equipava a gama Renault Magnum. Os Iveco V8 que prestaram serviço à série Eurostar e o clássico MAN V10 também deixaram de existir.
Atualmente, a única fabricante que dispõe do motor em V em seu portfólio é a Scania. Mas será que ele sobreviverá por muito mais tempo?


No mercado europeu, a Scania mantém o DC16 V8, de 16,4 litros, que desenvolve 730 cv de potência e que, para atender a Euro 6 utiliza os sistemas EGR e SCR, turno de geometria variável e sistema de injeção XPI. No Brasil a marca de origem sueca também mantém a gama V8 com potências de 560 cv e 620 cv (veja quadro).
 
Ainda no Brasil, a Mercedes-Benz mantém, mas por pouco tempo, os motores V6 e V8 na linha Actros. Estima-se que até a Fenatran (Salão Internacional dos Transportes) ela apresente novidades com arquitetura em linha para a gama. Isso porque esses motores são importados, dificultando a nacionalização de itens importantes para que a gama possa ser mais competitiva no Finame.

O FIM DO V DA MERCEDES

A Mercedes-Benz mantém, mas por pouco tempo, três opções de Actros com motores em V. Os modelos Actros 2546 e 2646 são equipados com motor OM-501 LA BlueTec de 12 litros, 6 cilindros em V, que desenvolvem potência de 456 cv a 1.800 rpm e 224,4 mkgf de torque a 1.080 rpm. A Mercedes também oferece o Actros 2655 com motor V8. Um propulsor de 16 litros que desenvolve 551 cv a 1.800 rpm e torque de 265,3 mkgf a 1.080 rpm.

No entanto, esses motores estão com os dias contados. Por serem importados, os caminhões que são equipados com esses bólidos acabam perdendo competitividade com relação ao financiamento, sendo financiáveis apenas 80% do valor do veículo. Com o processo de nacionalização, os Actros passam a ser equipados com motor de 6 cilindros em linha para serem 100% financiáveis.

O V8 SCANIA

Em 1969, quando a Scania lançou seu motor V8 de 350 cv, ele foi aclamado como o mais potente motor diesel para caminhões na Europa. A decisão de desenvolver um motor mais potente, no entanto, aconteceu no início dos anos 1960. E como a Scania estava no processo de desenvolvimento de uma nova geração de caminhões com cabines convencionais, um 6 ou 8 cilindros em linha não caberia embaixo da cabine, levando a engenharia a considerar a opção de uma geometria em V.

O conceito envolvia uma unidade motriz potente, mas bastante compacta: um V8 a 90° que deslocava um volume de 14,2 litros. 46 anos mais tarde, a Scania mantém o seu V8, inclusive no mercado brasileiro. Potência e torque são as razões para a marca do grifo manter o seu V8 e também fazem sentido em termos comerciais. Em 2012, com a chega da norma P7 ao Brasil, a marca passou a oferecer duas novas potências para o motor V8: 560 cv e 620 cv.