Lideranças ouvidas por TRANSPORTE MUNDIAL demonstram preocupação com a extensão da pandemia Covid-19 no Brasil, mas entendem que setor logístico terá recuperação mais rápida já a partir do segundo semestre.
“Não entre em pânico, pois nem o mundo nem o capitalismo vão acabar agora, embora mudanças importantes deverão acontecer como resultado desta crise”. A frase lapidar do economista e empresário Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do Conselho de Administração da Foton, resume com inteligência e sagacidade o momento atual.
“Mendonção”, como é tratado entre amigos, com 78 anos, conhece bem crises, China, pandemias, altos e baixos da economia, meandros políticos e, nos últimos dez anos, o setor de caminhões. Já foi presidente do BNDES, diretor do Banco Central e Ministro das Comunicações. Em 2010 ele trouxe a marca Foton para o Brasil. Na mesma época que chegaram Sinotruk e Schacman (ambas já zarparam fora, a Foton segue ativa).
De acordo com o economista, a ação pronta dos Bancos Centrais, em todo o mundo, conseguiu acomodar a primeira onda de pânico vinda do mercado financeiro. “Nos últimos dias, inclusive, vem ocorrendo uma recuperação importante dos preços das ações em Wall Street – mais de 20% em relação ao piso de março – e uma postura mais racional no dia a dia das negociações”.
Mendonça de Barros alerta que a maior preocupação agora é como será a reação da economia real diante de um quadro de recessão com as características da crise atual: corte brusco da receita das empresas pela ausência de seus funcionários e a queda brutal da renda pessoal dos trabalhadores, criando um vácuo por dois ou três meses sem que ocorra uma destruição física da infraestrutura econômica dos países.
Para o experiente economista, contudo, a hora do espanto do mercado financeiro já ficou para trás:
“O quadro da pandemia tomou contornos mais claros a partir das informações coletadas no campo da doença, principalmente na China. Estes dados, coletados e tratados com instrumentos estatísticos, passaram a mostrar um padrão na evolução da doença ao longo do tempo dando aos especialistas condições de fazer projeções, orientar os governos e diminuir o pânico do desconhecido que havia se instalado”.
Nem “Mendonção”, nem qualquer outro executivo ouvido por TRANSPORTE MUNDIAL, arrisca palpite de quando essa pandemia vai passar.
Até agora a única certeza entre cientistas e pessoas pensantes é que quanto maior for o índice de isolamento social (leia-se quarentena) mais rapidamente será possível voltar às atividades cotidianas. No Brasil, entretanto, este índice está abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (pede-se 70% mas a média nacional raramente excede 50%).
Por essa razão, a lógica é que a pandemia, nas próximas semanas, se retraia em grande parte da Europa e, ao contrário, se expanda no Brasil que, como agravante, é o País que menos testa os suspeitos de ter contraído a doença em todo o mundo.
Otimismo diante das incertezas
Mesmo diante destes fatores alarmantes e da incerteza de quando isso tudo vai acabar, a grande maioria dos executivos e empresários acredita que o País vai sentir mais uma onda recessiva (que não será dramática), em função da paralisação compulsória por conta da doença, mas vai se recuperar de maneira rápida e ainda neste ano.
Para Roberto Barral, vice-presidente das operações comerciais da Scania comenta: “o Brasil é um País de um povo que se recupera de uma maneira única sempre que aparece uma crise. Já vivemos inúmeras, sobrevivemos e saímos mais fortes de todas. A Scania acredita no potencial do Brasil e na força dos transportadores e caminhoneiros que transportam o País pelas estradas”.
Roberto Leoncini, vice-presidente de vendas e marketing caminhões e ônibus da Mercedes-Benz do Brasil, analisa que, quando o pico da pandemia passar e as coisas voltarem ao normal, o setor de transporte será um dos primeiros a puxar a retomada.
“Como exemplos, a colheita da nova safra de grãos já começou, assim como a de cana-de-açúcar, além de outras atividades do agronegócio. Os segmentos frigorificados, alimentício e gás de cozinha tiveram picos com o intuito de abastecer os estoques das famílias”.
Se em alguns segmentos essenciais os caminhões não pararam por um só dia (e forçam a demanda por novos produtos), em outros, mais afetados pela quarentena, os motores estão frios há mais de 20 dias.
“O abastecimento de lojas, comércio eletrônico, logística industrial e combustível estão com boa parte das frotas sem operar porque a demanda caiu radicalmente e são esses setores que devem voltar aos poucos no segundo semestre, acompanhando o consumo da população”, comenta Leoncini.
Luis Gambim, diretor comercial da DAF do Brasil, também acredita em recuperação no segundo semestre deste ano. “Entendemos que é uma situação passageira, que vai gerar consequências, mas que serão superadas em médio prazo”.
Para Gambim, o Brasil é um País com um enorme potencial de crescimento “e isso é ponto fundamental para direcionar os investimentos do Grupo Paccar na região.
O executivo da DAF diz que ainda é cedo para traçar perspectivas para 2020 e 2021, mas acredita em uma retomada a partir do segundo semestre. “Tanto que continuamos com o plano de expansão da nossa rede, assim como criamos novos programas de pós-venda”.
Adotando a mesma postura cuidadosa para, neste momento, evitar projeções, a Volvo também se mostra otimista com o setor uma vez que considera que as commodities agrícolas e minerais brasileiras vão contribuir positivamente na retomada econômica.
“As commodities minerais e agrícolas do Brasil são uma outra força produtiva, principalmente na exportação. Tudo isso terá de ser transportado à medida que as principais economias do mundo, como a China e Europa, por exemplo, retomarem gradualmente a atividade econômica. Assim ocorrerá com outros setores da economia, tanto no mercado doméstico, como nas exportações” comenta Alcides Cavalcanti, diretor comercial da montadora sueca.
Cavalcanti pondera, no entanto, que em função da parada global por conta da Covid-19: “é certo que toda essa movimentação se dará em volume inferior ao que tínhamos. Todos os especialistas já falam em PIB negativo para 2020, em todo o mundo”.
Também Thiago Carlucci, diretor de marketing da Iveco para a América do Sul, acredita em retomada dos negócios tão logo a pandemia acabe: “a crença da Iveco no Brasil e na América do Sul não mudou. Acreditamos na força, no potencial e na produtividade do País e da região”.
Depois da parada, aceleração
Pelo lado dos implementadores, Norberto Fabris, presidente da Anfir (entidade que reúne os fabricantes de implementos no Brasil), acredita que o segundo semestre será difícil, mas virá com crescimento.
“Estávamos animados com a espiral positiva de negócios registrada no início do ano, logo depois da longa crise, e aí tudo foi interrompido pela Covid-19. Mas a parada não aconteceu por completo. Alguns segmentos continuam em operação por conta da necessidade urgente de distribuição de produtos necessários à população, como alimentos, medicamentos, combustíveis entre outros”.
Fabris entende que o setor não vai sair da “imobilidade” no segundo semestre. “Nosso ritmo está apenas amortecido e a disposição da nossa gente não foi abalada mesmo com a situação grave que nos foi imposta pela pandemia. Teremos pela frente meses difíceis mas sabemos que temos força, energia e determinação para superar mais esta crise”.
Na mesma linha das montadoras de caminhões se posiciona Marcos Augusto Pordeus de Paula, diretor da Frigo King, fabricante de baús frigorificados, que aposta em retomada do setor já no segundo semestre deste ano.
“Os setores de alimentos e medicamentos permaneceram fora das restrições e os investimentos devem ser retomados antes, mesmo porque durante o período de fechamento dos estabelecimentos, esses caminhões continuaram operando e houve desgaste natural. Não será um momento fácil para ninguém mas como nossa indústria passou recentemente por uma situação de crise mais longa que a causada pela pandemia acredito que seremos mais ágeis para tomar as decisões necessárias”.
Empresas que fornecem sistemas de alta tecnologia para as montadoras de caminhões, embora demonstrem preocupação com a situação emergencial atual (com fábricas paralisadas), estão igualmente otimistas para o segundo semestre.
É o caso da Delphi Technologies que, segundo seu diretor executivo de aftermarket, Amaury Oliveira, acredita que, no segundo semestre deste ano, já haverá uma volta à normalidade.
“Como sabemos, os caminhoneiros são peças essenciais da nossa economia e continuam a todo vapor durante a pandemia para garantir abastecimento à população. Por isso, a necessidade de manutenção continua existindo e fazendo com que o setor de autopeças continue oferecendo os serviços de reparação”.
Oliveira diz que a Delphi não espera um crescimento ou uma retomada forte em todo o segmento automotivo, mas está otimista de que a demanda retorne aos números que eram praticados no início deste ano.
Para finalizar, fica a mensagem emocionada de Alcides Braga, presidente e fundador da Truckvan que, diagnosticado com Covid-19 em meados de março, fez o isolamento recomendado pelos médicos, já totalmente recuperado, comenta:
“Cada um deve buscar a solução para aquilo que é mais imediato. Neste momento, vamos pensar curto. Buscar realizar o agora. O público e o privado trabalhando juntos, isso é inédito e uma grande lição. Quando a vida voltar ao normal, acredito que teremos um mundo muito melhor em todos os sentidos. Estaremos melhores ao final desta pandemia. E aprendemos lições importantes como solidariedade, gratidão e fé. Dias melhores virão”.