No calor da paralisação dos caminhoneiros e na tentativa de entenderem as causas, alguns telejornais, jornais e sites de notícias divulgaram o crescimento de 288% da frota de caminhões como uma das causas. Isso como consequência dos incentivos dados pelo BNDES entre 2009 e 2016, o que levou ao aumento da oferta de transporte e, consequentemente, a deterioração do valor do frete e as mazelas da categoria. O fato  pode ter contribuído, mas deve ser levado em consideração a queda do PIB nos últimos dois anos. Houve erros de interpretação dos números da frota e da oferta de transporte.

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Vamos entender os números:

  1. Primeiramente, as dificuldades dos caminhoneiros com relação ao frete não são recentes. O jornal “O Globo” registra greves pela mesma causa desde 1959. Outras greves podem ser conferidas nos arquivos do jornal “O Estado de S. Paulo”, como em 1972, 1979, 1985, 1999 e 2015, conforme pesquisa feita pelo editor da revista “O Carreteiro”. Portanto, o problema do frete e as mazelas são bem antigos.
  2. Muitos jornalistas pegaram o total de emplacamentos de caminhões e chegaram ao número de que a frota cresceu 288%. Porém, cerca de 40% da frota não presta serviço de transporte para terceiros.
  3. Existem os emplacamentos (placa vermelha) para prestação de serviço de transporte remunerado por terceiro (veja números no item 9) e os emplacamentos de frota própria (placa cinza), que não podem prestar serviço de transporte, portanto, não estão no mercado de frete. Como exemplo de frota própria, estão fazendas que transportam a própria produção, caminhões de indústrias, varejistas, construtoras, coleta de lixo, Correios etc. Estas frotas não podem transportar cargas de terceiros de forma remunerada. Pode-se considerar que, quando uma empresa amplia a sua frota própria, ela passa a comprar menos frete de terceiros, porém, não há dados para mensurar isso. Por exemplo, as Casas Bahias podem ter aumentado a frota porque passou a vender mais mercadorias e, isso, não influencia em nada no mercado de frete.
  4. As frotas próprias e de transportadoras têm idade média 50% menor do que a dos caminhoneiros. Assim, parte das vendas nesses últimos anos foi para frotas próprias e transportadoras. A idade média dos caminhões na mão dos autônomos é de quase 20 anos, portanto, poucos foram os que compraram caminhões durante o período de incentivos do BNDES.
  5. Os números da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestre) indicam, de forma muito mais próxima à realidade de quanto é a frota de caminhões com placa vermelha, portanto, a real oferta de serviços de transportes que concorre no mercado de frete. Esses números mostram que a oferta vem diminuindo.
  6. Caso os jornalistas tenham pego o número total da frota pela ANTT, podem ter cometido outro erro de interpretação ao divulgarem que a frota é de quase 1,8 milhão de caminhões. Nesse total estão incluídos diversos tipos de veículos, como reboque, semirreboque etc. Ou seja, bitrem virou três caminhões, carreta virou dois e automóveis de apoio também viraram caminhões. Só para se ter uma ideia, do total da frota com registro na ANTT, cerca de 1,042 milhão é considerado caminhão, ou seja, com capacidade de carga acima de 3.500 de PBT. Cerca de 80 mil são furgões e chassi cabine com capacidade entre 1,5 e 3,49 t, e 19,8 mil são utilitários com capacidade entre 0,5 t e 1,49 t, como Fiorino, Kombi, Saveiro etc. O restante são reboques e semirreboques, ou seja, as carrocerias dos caminhões.
  7. Em decorrência da crise econômica iniciada em 2014, a oferta de transporte vem diminuindo desde 2015, como mostram os números de RNTRC (Registro Nacional de Transportadores de Cargas) da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestre). Confira os números:

Ano

Transportadoras

Autônomos

Cooperativas

Total de transportadores

2015

187.784

918.391

436

1.106.611

2016

161.264

622.328

355

   783.947

2017

144.868

483.585

328

   628.781

Fonte: ANTT/2018

  1. Considerando que a renovação anual do RNTRC é obrigatória para a prestação de serviço de transportes, pode-se pressupor que 42.916 (-22,85%) transportadoras fecharam as portas, ou mudaram de atividade ou estão trabalhando sem registro, o que é muito difícil. No caso dos autônomos, o abandono é ainda maior, de 434.806 profissionais (-47,34%). Porém, muitos autônomos tiveram que virar pessoa jurídica por exigência de clientes ou ingressaram em cooperativas existentes, ficando difícil saber corretamente o número exato dos que deixaram o setor. A redução de registros de cooperativas foi de 108 (-24,77).
  2. O número da frota com placa vermelha também está diminuindo. Nesses números incluem caminhões, cavalos mecânicos, reboques, semirreboques, furgões e veículos de apoio (automóveis, picapes e outros):

Ano

Transportadoras (veículos por transportadora

Autônomos (veículos por autônomo)

Cooperativas (veículos por cooperativa)

2015

1.252.811 (média 6,7)

1.068.092 (média 1,2)

18.800 (média 43,1)

2016

1.170.378 (média 7,3)

   783.656 (média 1,3)

21.837 (média 61,5)

2017

1.086.001 (média 7,5)

   662.526 (média 1,4)

22.903 (média 69,8)

Fonte: ANTT/2018

  1. Faz parte das causas para a redução da frota ativa, milhares de caminhões foram recolhidos pelos bancos por dificuldades dos transportadores em quitar as prestações dos financiamentos. Segundo estudo da Meritor, maior fornecedor de eixos para caminhões, há cerca de 200 mil unidades paradas por falta de manutenção devido à crise ou que foram “canibalizados”, ou seja, tiveram suas peças retiradas para a manutenção de outro veículo da mesma frota. Soma-se a isso, os caminhões que foram acidentados e retirados de circulação.

Conclusão

Não é fácil saber com exatidão qual é a frota de caminhão em atividade. Os números do RENAVAM (Registro Nacional de Veículos Automotores) indicam quantos veículos estão licenciados pelos DETRANs, porém, não indicam se esses caminhões estão trabalhando. Os números da ANTT indicam quantos transportadores obtiveram o registro (obrigatório) para a prestação de serviços de transporte a terceiros e remunerados, seja pessoa física ou jurídica. Assim, os números que mais aproximam da realidade sobre a oferta de transporte são os da ANTT. Agora é aguardar os números de 2018 para saber como a situação segue neste ano.

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Marcos Villela
Jornalista técnico e repórter especial no site e na revista Transporte Mundial. Além de caminhões, é apaixonado por motocicletas e economia! Foi coordenador de comunicação na TV Globo, assessor de imprensa na então Fiat Automóveis, hoje FCA, e editor-adjunto do Caderno de Veículos do Jornal Hoje Em Dia e O Debate, ambos de Belo Horizonte (MG).