As situações que cercam o cotidiano dos profissionais do volante fazem da profissão de motorista uma das mais estressantes e causadoras de doenças tanto físicas quanto emocionais. Lidar com condições extremas de trabalho – leia-se: estresse – pode causar muito mais do que simples dores de cabeça aos motoristas. Confira reportagem da época na série Baú da TRANSPORTE MUNDIAL.
O ambiente e as circunstâncias de trabalho influenciam positiva ou negativamente na saúde de uma pessoa. Cada um tem seu próprio nível de sensibilidade e tolerância. No entanto, as questões emocionais têm passado despercebidas por transportadores de todo o Brasil. Comumente, este tipo de doença não é perceptível fisicamente, mas sim pelo modo comportamental da pessoal. Quando os problemas psicológicos começam a causar danos físicos, é sinal de que a situação se agravou e é hora de procurar ajuda médica.
No Brasil, os profissionais do volante enfrentam uma luta, que persiste há décadas, por melhores condições de trabalho e reconhecimento da atividade. Inúmeros debates na CDH (Comissão de Direitos Humanos) já foram feitos em prol dos caminhoneiros, mas a realidade do setor de transporte ainda é desfavorável a esses profissionais. A carga horária tem sido o maior questionamento dos condutores – essa situação é uma das principais causadoras de doenças psicológicas.
Vários fatores levam os motoristas a excederem sua jornada de trabalho normal, como urgência para entregar a carga e não ultrapassar o tempo de entrega garantido pela transportadora ao cliente, ou mesmo para não perder a carga que muitas vezes já está à espera do caminhão, que ainda nem chegou. Diante dessa situação, os motoristas precisam dirigir por muito mais de oito horas diárias, diversas vezes, chegando a quase dobrar o turno, conduzindo por dez ou até 12 horas. A consequência destas circunstâncias é uso de drogas, aumento de estresses, má alimentação e ansiedade, além dos prejuízos físicos e dos transtornos psicológicos graves, como depressão, bipolaridade, insegurança, agressividade, entre outros.
Segundo o médico Alfredo Minervino, membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), a ansiedade e o estresse são as doenças que mais afetam estes profissionais e acarretam problemas graves à saúde mental e ao bem-estar dos motoristas de caminhões e ônibus. “A falta de concentração, o nervosismo e a agitação são as principais consequências dessas doenças decorrentes de excesso de trabalho e pressão psicológica”, explica.
Outro risco à saúde causado por essas doenças mencionadas pelo especialista é o aumento de uso de álcool ou de medicamento. Uma pesquisa realizada pela UFS (Universidade Federal de Sergipe), no ano passado, concluiu que quase 50% dos motoristas entrevistados fazem uso de algum tipo de medicamento para se manterem acordados ao volante, os chamados rebites.
Outra questão apontada pelo estudo é o uso dessas substâncias por mais de cinco vezes por semana. Dos entrevistados, 20% afirmaram consumir as drogas com essa frequência. “Sem dúvidas, essa pesquisa estadual reflete uma realidade nacional que precisa ser tratada minuciosamente”, diz Ricardo Fakhouri, professor do departamento de medicina da UFS e orientador da pesquisa. Para Minervino, o uso de medicamentos para permanecer acordado é a pior opção que o condutor pode escolher. “O ideal é que ele nunca exceda sua carga horária”, orienta.
Embora no caso dos condutores de veículos urbanos o estresse tenda a ser ainda maior, devido ao tráfego intenso das grandes metrópoles do país, o motorista rodoviário enfrenta outra circunstância que o coloca entre os profissionais propensos a sofrerem com doenças psicológicas: a falta de convívio familiar. Os profissionais das estradas chegam a ficar 20 ou até 30 dias longe de casa e dos familiares, muitas vezes ultrapassando esses números e passando muito mais tempo longe dos parentes.
De acordo com o especialista em psiquiatria, essa é uma questão relevante e que merece atenção. “Situações como essas geram um nível de ansiedade muito grande, agitação e aceleração dos pensamentos. Isso aumenta significativamente o nível de estresses de um profissional e diminui sua concentração e desempenho”, afirma.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, revelou que as pessoas praticantes de boa convivência social entre amigos e familiares chegam a viver 50% a mais do que as que vivem isoladamente. Esse isolamento pode reduzir a vida de uma pessoa mais do que o sedentarismo ou até mesmo a obesidade. “É importante que mesmo a pessoa que é obrigada pelo trabalho a estar ausente do convívio familiar frequente adote práticas simples de aproximação, como ligar sempre que possível para seus familiares, tirar férias dedicas ao lazer com os entes queridos e fazer novas amizades”, aconselha o médico.
Algumas ações podem evitar sérios problemas como os citados anteriormente. Empresas têm se preocupado com a saúde e o bem-estar dos funcionários, e realizado ações para promover a autoestima destas pessoas. Essas ações mostram resultados positivos para as companhias, como os exercícios físicos, por exemplo, que, segundo especialistas, melhoram o desempenho dos profissionais em até 35%. Minervino explica que os motoristas precisam ter um momento de lazer ou atividades extras para evitar sérias doenças psicológicas. Os condutores são cada vez mais exigidos em sua profissão, pois precisam dominar os novos equipamentos, ter cuidados redobrados para evitar acidentes no trânsito, conduzir sem causar custos operacionais com manutenção à empresa transportadora e com baixo consumo de combustível etc.
“Seria interessante que os motoristas pudessem consultar um profissional de psicologia pelo menos a cada seis meses ou um ano para saber se está tudo certo com seu sistema emocional. Acredito que o preconceito com esse tipo de consulta já não seja mais tão forte como há alguns anos”, sugere o especialista da Associação Brasileira de Psiquiatria.
DICAS PARA O MOTORISTA:
1. Observe você mesmo: analise qual foi a sua reação diante de certas situações, como no trânsito, por exemplo, e identifique se podia ter sido diferente. Dessa forma, você vai passar a se policiar mais e garantir um controle emocional muito bom, que pode, inclusive, beneficiá-lo no desempenho do trabalho.
2. O que pensam de você: observe como as pessoas definem você, como o tratam e como você gostaria de ser tratado. Busque transmitir o que realmente deseja – essa é uma maneira de conhecer e melhorar seu autocontrole e sua autocrítica.
3. Aceite sua condição de vida: dê valor às coisas boas que estão a sua volta, encare sua realidade de vida, mas não se acomode a ela, procurando sempre melhorá-la.
4. Pensamentos positivos: dê atenção às coisas boas que você já realizou ou que pretende realizar. Evite os pensamentos negativos ou que vão deixar seu dia mais tenso e cheio de preocupações.
5. Mantenha-se perto da família: sempre que possível ligue para sua família, ou leve-os para viajar com você, mesmo que seja a trabalho.
6. Pratique atividade física: escolha um tipo de exercício que dê prazer a você, mas que não faça nenhum mal à sua saúde física. Isso irá descontraí-lo e deixá-lo mais relaxado.
7. Consulte um profissional: é importante você consultar um psicólogo mesmo que sinta-se bem emocionalmente, pois muitas vezes, algo pode ser melhorado com simples dicas de um especialista.
8. Evite discussões: muitos bate-bocas não valem a pena e só irão estressá-lo. Releve e tente não ficar pensando nisso.
9. Transforme o mal em bem: aceite as críticas e transforme-a em energia para melhorar seu desempenho e superá-las.
10. Vença as dificuldades: encare conscientemente os problemas do seu trabalho, lute pelo que for possível mudar, mas não deixe isso ser algo desgastante e se sobrepor ao lado positivo de suas conquistas até o momento.