DAF: de sobrevivente de guerra à marca forte

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O primeiro dia do alvorecer de 1900 era mais dia de um cotidiano de trabalho das famílias comuns das pequenas vilas na Europa. Nada diferente na Holanda. A não ser na cidade de America, Limburg, que recebia um de seus personagens mais ilustres, Hubert Jozef van Doorne, “Hub”, filho do ferreiro da aldeia, que seria um dos fundadores da DAF.

O século XIX começava com fortes inquietações sociais na Europa. Os apelos à industrialização desenhavam uma nova ordem social. Os pequenos negócios de família frutificavam e os sucessores eram formados desde cedo. Hub estava designado a assumir o negócio do pai, se este não tivesse falecido quando ele tinha 12 anos. O jovem foi trabalhar como capataz para Sjef Mandingers, fabricante de máquinas, em Eindhoven.
 
Logo viria a I Guerra Mundial e suas consequências nefastas para a Europa, com cidades devastadas e graves tensões sociais. Esse misto de fatos deu origem aos “anos loucos”, como ficaram conhecidos os anos 1920, que marcaram a juventude de Hub e seus contemporâneos. Após algumas experiências, ele estabeleceu um negócio próprio de conserto de fogões, bicicletas e veículos motorizados. Não deu certo e ele retornou ao primeiro empregador, como gerente de obras. Foi lá que ele conheceu Mr. Huenges, dono da cervejaria Coolen, que viria a ser seu primeiro investidor.
 

Huenges possuía um carro, modelo Stearns-Knight, que sofrera uma batida e não podia consertá-lo. Hub conseguiu o feito e ganhou a admiração do cervejeiro, que lhe ofereceu 10 mil florins para iniciar sua própria oficina. Isso aconteceu em abril de 1928. A essa altura, seu irmão Wim, Willelmus Vincent Antonius van Doorne, (seis anos mais novo), entrou como sócio-fundador na oficina Van Doorne Machinefabriek em Reparatie-inrichting, situada no sul de Eindhoven. Lá eles se especializaram em forja e solda e produziam escadas, janelas, armários e faziam reparos. Alguns reboques começaram a ser produzidos. O talento de engenheiro de Hub, somado às habilidades comerciais de Wim, fizeram com que o negócio prosperasse.

PRESENTE
Apesar dos tempos de dificuldades, Hub e Wim foram vitoriosos. Deixaram como legado uma marca forte e exemplos de persistência. A DAF é hoje uma empresa sólida, subsidiária da Paccar. A planta de Eindhoven, na Holanda, de 1 milhão de m², abriga a sede principal, o Centro de Design e as atividades de pesquisa e desenvolvimento. O complexo inclui a fábrica de motores, centro de testes, estamparia, fábrica de caminhões e o novo Centro de Distribuição de Peças, concluído em 2013. A estrutura DAF na Europa é completada pela fábrica de cabines e eixos em Westerlo, na Bélgica; pela Leyland, na Inglaterra, que produz caminhões; e Cd’s em Madri, Leyland, Budapeste e Moscou.

PRIMEIRA FÁBRICA
Em 1930, a empresa foi rebatizada para Anhangwagenfabriek de van Doorne, fábrica de reboques, que se tornou o principal negócio. No mesmo ano um inovador engate automático de reboque foi patenteado e, em 1931, uma versão que podia ser acionada de dentro da cabine. Em 1934, Hub apresenta um reboque inovador, 40% mais leve que os similares do mercado. Em um ano foram construídas mais de 400 unidades.


Aproximavam-se novos tempos de guerra. A beligerância tomava conta das fronteiras e os irmãos van Doorne seguiam com seus planos. Hub sonhava com um veículo motorizado, apesar do sucesso com os implementos. A sorte mudaria com um pedido das Forças de Artilharia Holandesa, para fabricar um fora de estrada, eficiente e confiável. Veículos rápidos seriam mais eficazes nas operações. Hub projetou um truque com acionamento duplo 4×2, que poderia ser revertido para um 6×4. Surgiu o Trado, o primeiro veículo DAF.

Com a guerra iminente, o governo holandês negociou a fabricação de veículos blindados, mas Hub fez melhor. Como resultado surgiu o M-39 blindado, o mais avançado à época. Para Wim as vendas só aumentavam, mas Hub se entristecia pelo fato de seu primeiro veículo ser usado para fins de guerra. Apenas 20 unidades foram produzidas antes da invasão das forças inimigas.

ANOS 1940
Esse capítulo é geralmente pulado, mas é importante enfatizar a postura de resistência da DAF frente à invasão. Os nazistas tomaram o controle da fábrica, mas os trabalhadores adotaram a política de não cooperação. Durante esse tempo surgiram os protótipos do DT5, para 5 t, e o DT10, para 10 t. A escassez de peças dificultou as coisas. Quando a ocupação terminou, os trabalhadores, muitos vindos de campos de concentração, retornaram. Havia demanda para veículos destinados a construção e transporte de passageiros.

Assim, o primeiro lote de trólebus, projetado durante a guerra, saiu em 1947. Vagões e projetos especiais também foram produzidos, dentre eles um novo conceito de motores deslizantes sobre trilhos. À espera de recursos para reiniciar a produção, foi resgatado o projeto do DT5, que inspirou a construção do primeiro caminhão, em 1949. Afinal o modelo fabricado na guerra havia rodado mais de 100 mil km. O A-30 (para 3,5 t) foi o primeiro caminhão, e na sequência as versões A-50 (5 t), A-60 (6 t). Ele foi construído com componentes de terceiros. O motor utilizado nas versões leves foi o Hercules 4014cc JXE3, de 6 cilindros, a gasolina, com potência de 91 bhp (121,3 cv); o mais potente, de 4620cc, 102 bhp (135,9 cv) JXC, foi usado em chassis pesados; e o 83bhp (110cv) Perkins P6, foi a opção a diesel.

A crise no pós-guerra era profunda. Havia necessidade de transporte e a fábrica estava à plena capacidade com as demandas militares. Para iniciar a reconstrução e reativar a indústria, foi criado o Plano Marshall, um fundo de ajuda dos EUA.

ANOS 1950
Nos anos 50, a DAF teve parcerias com a britânica Leyland, de quem recebia motores a diesel para equipar seus caminhões e ônibus, e passou também a produzi-los sob licença. Com isso, fortaleceu-se a ideia de uma fábrica própria para produzir os engenhos 105bhp (139,9cv) SAE e o 108bhp (144cv) SAE Perkins R6 diesel. Já em 1955, a montadora alcançou a marca de produção de 10 mil caminhões e 5 mil veículos militares.


No ano seguinte começou a fabricação de um motor próprio, o DD575 (5,75 litros), baseado no Leyland 0.350. Em 1957, surgiu o chassi de caminhão Torpedo, com cabine feita por terceiros. As cabines próprias vieram em 1958. E nesse mesmo ano a DAF iniciava a produção de eixos. Vários produtos foram desenvolvidos, como os A13 e A16 series, disponibilizados em versões de chassis rígidos 4×2, adequados para versões plataforma e basculante. Fechando a década, foi produzido para o modelo T18 series, 4×2, um motor  de 5.75 litros, de 165 bhp (cerca de 220 cv), turboalimentado – o primeiro do mercado.

ANOS 1960
Os anos 1960 foram tempos de refinamento de produtos. Havia demanda para caminhões cada vez mais pesados e crescia o apelo por conforto. Surgiram as cabines-leito. Em 1961 veio a versão 2000 DO, 6×2 AS, dois anos depois a 2300 DO series e, na sequência o 2600 series com maior conforto, todos com motores Leyland e capacidade acima de 30 t. Em 1964, a companhia atinge a produção de 50 000 chassis de caminhões.

A aceitação do mercado favorece o aumento das exportações de caminhões e a inauguração de uma unidade de produção de eixos e cabines em Westerlo, Bélgica. No final dos anos 1960 vieram veículos 6×4 e nova série de engenhos de 11.6 litros, naturalmente aspirados, a série K. As versões de motores turbo cresceram conforme o aumento de capacidade dos caminhões.

ANOS 70
Em 1972, a DAF firma um acordo com montadora americana Harvester Internacional, que adquire 33% de suas ações, o governo holandês assume 25%, ficando a família van Doorne com 42% (essa joint-venture durou até 1981). No mesmo ano, vieram os modelos de cabine F218, designados como 2200 series, com motores de 8.25 litros e capacidade de carga acima de 32 t. Em 1973, a DAF sai na frente e apresenta um motor turbo com intercooler, tecnologia que atendia à demanda por engenhos mais potentes e econômicos e com menores emissões de gases.

Antes de terminar a década foram lançados os modelos leves 4×2, da gama F198, nas versões F1200 e F1400, com o novo conceito de cabine modular. Em 1974, o F2800 torna-se o modelo top da gama, com cabine leito e motor diesel 1160 series de alto desempenho, projeto que durou até a introdução da cabine 95, em 1987.  A produção de implementos foi descontinuada em 1979. 

ANOS 80
Nos anos 1980, a lista de novidades foi grande, como o motor ATi, Advanced Turbo intercooling, que reduziu o consumo de combustível e aumentou o desempenho do motor. Em 1984, a DAF atingiu a marca de 250 000 caminhões produzidos. Os motores de 11,6 litros, turbodiesel de seis cilindros, baseados no antigo Leyland O.680, seguiram com aperfeiçoamentos até os anos 1990.


Em 1987 foi lançada a nova família de caminhões 95 series, que ganhou o prêmio “Caminhão do Ano”, na Europa, em 1988. Desenvolvido em conjunto com a ENASA da Espanha, apresentava o motor Ati 11,6 litros, de 310, 350, e 380 cv e caixa de velocidades ZF.

ANOS 90
Nessa década o mercado de caminhões desmoronou na Europa. Nesse cenário a DAF ressurge como DAF Trucks NV, após adquirir a Leyland, e inicia a era dos caminhões confortáveis. Entre 1991 e 1992 a família 95 foi atualizada. Novas potências de motores para 329, 364, 401 cv e uma variante de 430 cv.

Em 1994 foi lançado o DAF 95.500, o primeiro Super Space Cab, com altura interior de 2,25 m, beliche de luxo e inúmeros opcionais. O motor era o Cummins N14, de 14 litros, de 500 cv de potência. Em 1996 a DAF Trucks torna-se uma empresa da norte-americana Paccar Inc. Em 1997 é lançado o 95XF, para longas distâncias, eleito o “Caminhão do ano de 1998”. Em 1999 a DAF anuncia a produção de 500 000 caminhões.

ANOS 2000

Inaugurando o século 21, com novo estilo, são apresentadas novas famílias de caminhões, séries CF85 de caminhões médios e LF de leves, passando a integrar o nicho de mercado a partir de 3,5 t. Esse modelo ganhou o prêmio “Caminhão do Ano”, de 2002.  Na mesma toada de surpresas ao mercado, nesse mesmo ano chega o XF, que se torna o carro-chefe da marca, levando a companhia a conquistar 13% de market share, no mercado europeu.

Com prestígio e sucesso, em 2005 a DAF lança o XF105, o “Caminhão do Ano” de 2007. A fabricante celebra os 50 anos de produção de motores. Em 2009, a DAF comemora 60 anos de produção. Terminando a década, toda a gama de motores ganha a especificação EEV (Enhanced Environmentally friendly vehicle) e o LF Hibrid entra em produção.

BRASIL
Os anos 2010 tiveram vários fatos importantes. O principal foi o anúncio de um investimento de US$ 320 milhões para construir uma fábrica de Caminhões no Brasil. O local escolhido foi Ponta Grossa, no Paraná. Em 2013, a planta entra em operação para a produção dos caminhões XF 105, com foco no mercado de pesados de longa distância. Eles foram equipados com motor Paccar de 12,9 litros.

workhouse

Só que a crise chegou. A meta de produção foi baixada de 2,5 mil para 1,2 mil. Mesmo assim o XF ganha nova opção de motor de 510 cv, além dos 410 e 460 cv, configuração 4×2, além das 6×2 e 6×4, mais a cabine teto alto Super Space Cab, completando 3 versões com a Space Cab e Comfort Cab. O lançamento do modelo CF chega em 2015, nas versões 4×2 e 6×2, para concorrer no mercado de curtas e médias distâncias. O motor é o Paccar MX 12,9 l, de 360 ou 410 cv. O atual desafio é nacionalizar os componentes para aumentar a faixa do Finame.