O futuro da profissão de caminhoneiro é cada vez mais incerto para quem está na atividade. Diversos fatores reduzem a expectativa de melhora e aumentam o clima de insegurança. Defasagem do frete, alta do diesel, pouco acesso a créditos de financiamento para a troca de caminhão, baixa movimentação de carga, e condições desfavoráveis de trabalho estão entre os principais motivos para o caminhoneiro se sentir desvalorizado.
Os caminhoneiros sempre foram reconhecidos pela sua paixão pela profissão. Quando questionados sobre o motivo de terem optado em ser motorista de caminhão a resposta era quase unanime “aqui corre diesel na veia”. Era bastante comum também ouvi-los falar com orgulho sobre a decisão de seus filhos em seguir na mesma atividade.
Porém, alguns desafios enfrentados nos últimos anos vêm provocando um estado de desânimo entre os caminhoneiros por se sentirem cada vez mais desvalorizados apesar da sua importância indiscutível para o País. Muitos deixaram de incentivar as novas gerações e hoje dizem trabalhar na estrada para garantir um futuro mais digno para eles.
Toda essa baixa expectativa coloca em dúvida a permanência de alguns motoristas e o futuro da profissão. A consequência é a falta de motorista, problema já percebido nos dias de hoje. Se nada for feito para mudar essa realidade, o déficit dessa mão de obra deve se agravar nos próximos anos.
Futuro da profissão: “o salário ou o frete do caminhoneiro deveria compensar as dificuldades”
Para Douglas Oliani, 39 anos de idade e 18 de profissão, de Presidente Getúlio/SC, a ausência de reconhecimento está desanimando os caminhoneiros a continuarem na profissão e a incentivar seus filhos a ser motorista de caminhão. “Hoje trabalhamos para garantir um futuro melhor para os nossos filhos, afinal nenhum pai quer ver o seu filho sofrer ou passar por situações tão humilhante e difíceis”, declarou.
Para Douglas a profissão voltaria a ser atraente se os ganhos compensassem os desafios. “O salário ou o frete do caminhoneiro deveria compensar todas as dificuldades que enfrentamos diariamente na estrada. As empresas deveriam estar focadas nessa questão e não ficar cobrando média sem conhecer na prática como são as estradas brasileiras”, disse.
Ele diz que muitas pessoas comparam a situação do caminhoneiro brasileiro com o europeu. Mas, em sua opinião existe muita diferença. “As dimensões continentais brasileiras não permitem que o motorista tenha uma rotina tranquila. O motorista passa muitos dias longe de casa. Já na Europa o profissional fica no máximo dois dias e consegue descansar melhor junto a sua família. E a geração nova não quer saber de ficar 30 dias longe de casa. Sem contar que para faturar mais os transportadores acabam emendando uma viagem na outra”, opinou.
Outro problema apontado por Douglas são alguns profissionais engajados nas mídias socias que, em busca de seguidores e curtidas acabam romantizando a profissão e não mostram a realidade. Existe também aqueles que incentivam práticas perigosas como o uso de drogas ou manobras arriscadas. “Muitos jovens acabam ingressando sem conhecer de fato o que é ser motorista de caminhão e acabam se decepcionando e desistindo.”
Futuro da profissão: “é preciso investir nos locais de parada para o motorista realmente descansar”
Antonio Benedito de Souza (QRA Vamp), 56 anos de idade e 36 como motorista, acredita que a profissão de caminhoneiro está no sangue e é movida por uma paixão muitas vezes inexplicável. “É preciso ter muito amor pela profissão pois ela nos escolhe. Mas não é isso que estou vendo hoje. Muitos colegas estão desistindo e muitos pais não estão incentivando os filhos a seguirem na atividade”, disse.
Para Antônio a profissão não vai acabar pois sem caminhão o Brasil para. Mas é preciso treinar os jovens e ajudá-los a utilizar de maneira correta e segura todas as tecnologias disponíveis. Além disso, segundo Antônio, é necessário e urgente investir nos locais de parada para o motorista realmente descansar e seguir viagem de maneira segura.
Futuro da profissão: “diante das dificuldades fica difícil manter a paixão pela profissão”
Apesar de todos os fatores negativos da profissão, Melize de Souza, de Ibitinga/SP, na estrada há cinco anos, acredita que o Brasil depende dos caminhões e dos caminhoneiros e portanto é quase impossível ser extinta. “Acredito que ainda exista espaço para todos que desejam trabalhar na estrada. Eu sou filha de caminhoneiro, tenho um filho motorista e realmente para mim ainda é uma paixão. E na minha opinião sem essa paixão fica muito difícil continuar pois realmente não é uma profissão fácil e não temos apoio e nem infraestrutura”, opinou.
Futuro da profissão: “jornadas exaustivas também contribuem para o desânimo na profissão”
Outro motorista que ainda tem orgulho da profissão é Sergio Marques de Almeida, de Petrópolis/RJ e a mais de 30 anos de estrada. Porém, com todas as dificuldades vivenciadas nos últimos anos está um pouco desanimado. “Algumas empresas continuam forçando os motoristas a jornadas cansativas de trabalho e fazem exigências excessivas. Além de exaustivo, compromete a segurança e, em alguns momentos chega a ser humilhante. E essa situação está contribuindo para muitos colegas migrarem de profissão”, explicou.
Outro fator apontado por Sérgio é a desvalorização e a falta de conforto para o profissional na estrada. “Os locais de parada não atendem o motorista e muito menos a família. E pode parecer bobagem, mas poder viajar algumas vezes com a família faz toda a diferença pois ficamos muito tempo fora de casa. O embarcador, transportadores e postos deveriam pensar no motorista. Eu mesmo já fiquei quase dezesseis dias aguardando carga sem nenhum conforto”, reclamou.
Sergio acredita que para atrair os jovens para a profissão é preciso fazer o caminhoneiro realmente sentir a sua importância através de ações que facilitem o dia a dia na estrada. “Fico pensando, qual o motivo de não olharem para o caminhoneiro com a importância que ele realmente tem para o desenvolvimento do País. Por que não valorizar essa classe? Afinal todos os dias arriscamos a nossa vida para o Brasil continuar, indagou.
Futuro da profissão: “é preciso investir no aperfeiçoamento dos motoristas e valorizá-los”
Na opinião de Valdir Lourenço, 56 anos de idade e 35 de estrada, ainda existe bastante interesse pela profissão o que falta é uma oportunidade e condições favoráveis para incentivar esses jovens a ingressarem na atividade. Entretando, Valdir acredita que é preciso muitas mudanças para a profissão voltar a ser atrativa. “Hoje somente por você ser motoristas você já está errado. Na estrada ninguém respeita os caminhoneiros. O clima de insegurança é muito grande na estrada e nos sentimos completamente desamparados”, disse.
Outro ponto levantado por Valdir é a lei do motorista que garante o descanso. “A lei existe, mas, aonde vamos realmente descansar se não tem locais seguros para parar? Falta ponto de apoio. E o salário não é mais compatível com todas as dificuldades enfrentadas e o tempo longe de casa. As vezes quase todo o valor fica na estrada”, desabafou.
Diante de todos esses fatores, Valdir acredita que optar por outras profissões acaba sendo mais vantajoso do que ficar na estrada. Ele diz ser necessário uma mudança de comportamento de todos envolvidos no setor de transporte para mudar essa realidade. “As empresas precisam investir no aperfeiçoamento dos motoristas e valorizá-los. Quando comecei as transportadoras tinham escolinhas para preparar os jovens. É preciso investir e valorizar, caso contrário, ninguém vai querer trabalhar com caminhão.
Valdir é pai da Luana Lourenço, de 25 anos de idade, que há três anos decidiu seguir a profissão mesmo com todos os desafios. “Eu tenho muito orgulho de ver minha filha trabalhando com caminhão. Eu a ensinei a trabalhar e conversei muito sobre a profissão. Tenho certeza de que terá um futuro enorme e brilhante pela frente. E espero que muitos outros também tenham esse mesmo interesse pois é uma profissão boa que apenas precisa de algumas mudanças”, finalizou.
Futuro da profissão: “falta as pessoas se interessarem pelo caminhoneiro e não apenas julgar”
Na opinião de Luana, ser motorista de caminhão tem as suas vantagens como estar cada dia em um lugar e conhecer pessoas diferentes. “Mas é preciso melhorar alguns pontos e o principal é a valorização do profissional. Ainda existe muito preconceito negativo em ser caminhoneiro. Sempre me perguntam porque eu optei por dirigir caminhão. É como se fosse uma péssima escolha”, contou.
Luana sabe que a profissão tem desafios porém acredita ser muito importante trabalhar no que se gosta. Em relação ao futuro, está bastante otimista e com expectativas positivas. “Atualmente os caminhões estão dotados de muitas tecnologias que facilitam o dia a dia e isso é incrível para o nosso futuro. Falta apenas as pessoas se interessarem mais pelo caminhoneiro e não apenas julgar. É preciso valorizar e oferecer mais estrutura”, concluiu.
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