(Leia no final deste texto, a manifestação da diretora geral do Hospital Risoleta Tolentina Neves, Alzira de Oliveira Jorge), em uma forma de profundo reconhecimento dos desafios do hospital público e ao profissionalismo dos profissionais de saúde que trabalham lá).

Eu tive uma experiência com dois hospitais de Belo Horizonte (MG) que só atendem pelo SUS em junho de 2021. O motivo foi que eu tive um osso do pé quebrado (as razões não importam neste artigo). O primeiro atendimento foi pelo Hospital Risoleta Tolentino Neves, o mais próximo de onde eu estava. Endereço de muitos entregadores de mercadorias. E como jornalista, eu não consigo desligar meus olhos, meus ouvidos e meus pensamentos. 

Na recepção, o atendimento foi rápido, mas… depois que você entra, você vive uma realidade parecida a que assistimos nos telejornais.

O hospital não tinha cadeira de rodas para mais do que meia dúzia de pessoas. No entanto, a grande Região Metropolitana de Belo Horizonte tem mais de 4 milhões de habitantes. Com a pandemia, isolamento, crescimento de e-commerce e serviços de entregas por motoboy, a necessidade de cadeiras de rodas aumentou muito.

Depois que eu entrei para dentro do hospital, eu cheguei em uma realidade que até então só conhecia nos telejornais. Só não tinha vivido a situação na própria pele.

Após passar a porta da recepção para dentro, havia pessoas acidentadas e doentes para todos os cantos. Em corredores e espaços improvisados. Eu estava usando uma bengala emprestada da minha mãe para conseguir me locomover com uma perna só. A minha sorte é que a esposa do meu irmão, a Soninha, foi quem me levou e me deu apoio o tempo todo.

Ao ser chamado para a sala de ortopedia, havia uma equipe muito interessada em resolver os problemas dos pacientes, mesmo que houvesse uma relação proporcional muito maior de pacientes do que médicos e enfermeiros. Faltava cadeira de rodas, mas não faltava humanidade.

Após a primeira consulta, eu fui direcionado para fazer Raio-X. A distância entre a área dos médicos e do Raio-X deveria ser uns 100 metros (o hospital é muito grande, só ver na internet ou ir lá). Para mim, sem possibilidade de andar, a distância parecia 200 quilômetros. Cada passo, uma dor e a pergunta? Cadê a cadeira de rodas?

Eu fiz o Raio-X. Os médicos ortopedistas, super profissionais, faziam a mesma pergunta. Eles não são donos do hospital ou gestores dos recursos públicos para compra de materiais para trabalhar. Temos que torcer para não desistir, pois muitos desistem. São seres humanos como nós.  

Após os ortopedistas de plantão analisarem o Raio-X, eles não conseguiram chegar a conclusão sobre quais e quantos ossos quebrados tinham no interior do meu pé direito. Pediram mais chapas de Raio-X. O que veio na minha mente? Vou ter que caminhar mais 200 km.

Minha cunhada, a Soninha, conseguiu uma cadeira de rodas que estava dentro da sala dos ortopedistas. No hospital, cadeira de rodas e macas eram as coisas mais disputadas. 

Então, fui fazer mais chapa de Raio-X. Após o resultado, mais inconclusões. O médico líder da equipe pediu uma tomografia, pois ele tinha certeza de que tinha dado “merda”, mas ainda não conseguia ver o tamanho do problema. Naquele momento, confirmei mais um trama da saúde pública. Cadê os recursos materiais paras os profissionais de saúde trabalharem?

Eu entrei na maior fila da minha vida. O hospital, quem conhece sabe que é muito grande, tinha um só tomógrafo para atender todo mundo. A fila era por ordem de prioridade, o que não está errado. Se o paciente tinha COVID, após o exame, a sala tinha que ser toda desinfetada, o que demanda mais tempo entre um exame e outro. Mas este ainda não era o maior problema.

O maior problema era o e-commerce. O SAMU tinha prioridade. E quem o SAMU mais atendia? Trabalhadores do e-commerce que, por falta de treinamento e equipamentos de segurança, vários desses trabalhadores se acidentavam diversas vezes ao dia. Então, respeitando a prioridade, a todos os momentos chegava uma ambulâncias do SAMU. E a cada chegada eu já imaginava que meu exame seria postergado. E assim foi. O meu medo deixou de ser meu pé quebrado e passou a ser sobre chagadas do SAMU. É aceitável a fila de prioridade. Difícil era aceitar a falta de recursos para médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde trabalharem.

Em razão da fila de prioridade, eu fui fazer o meu exame de tomografia na madrugada do dia seguinte, sem reclamar, só observando tudo que acontecia, como deve fazer um jornalista.

Após o resultado, como já era madrugada, fui atendimento por um ortopedista plantonista muito bom, mas, no entanto, generalista sobre ossos. Ele fez um gesso provisório, me internou para que a equipe especialista de pé pudesse me avaliar no dia seguinte. E se precisasse de mais exames, ninguém conseguiria prever quantos dias eu teria que ter ficado internado só por causa da tal fila de exames.

Aqui, vale uma observação sobre o que é ser internado no hospital Risoleta Neves. Após a internação, eu ganhei um novo “status”. Passei da cadeira de rodas para uma maca no mesmo corredor, sem direito a lençol, mas ganhei uma “plaquinha” impressa em papel A4 com meu nome, minha idade (desnecessário) e o meu problema colada na parede com durex na localização que minha maca estava “estacionada”.

Voltando ao atendimento, eu senti muita confiança no ortopedista plantonista da madrugada. No dia seguinte, após eu dormir em uma maca junto com dezenas de outros brasileiros no corredor (a Soninha dormiu em uma cadeira dura tipo de bar), uma médica, muito atenciosa, veio falar comigo. Ela iria me dar alta porque meu caso não era para cirurgia (como fiquei feliz neste momento). Porém, tanto eu quanto ela, esquecemos que o gesso que eu estava usando era provisório. Isso mesmo, provisório. Tanto, que o meu pé desinchou e o gesso ficou folgado.

Após duas semanas de tudo isso, com gesso provisório desmanchou, eu fui para no hospital João XXIII. Lá conheci outro mundo. Melhor do que mundo Risoleta Neves. Lá não faltava nada. Até me chamou a atenção do piso de mármore  branco e muito limpo. Eu pensei, se o piso é de mármore, a cadeira de rodas deve ser elétrica.  Salas para exames? Várias. Sala para ficar na maca (e descentes)? Várias.

Para não me alongar mais, a pergunta que fica é: por que todos os hospitais do SUS não podem ser como o João XXIII com a humanidade dos profissionais de saúde do Risoleta Tolentino Neves?

 

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Marcos Villela
Jornalista técnico e repórter especial no site e na revista Transporte Mundial. Além de caminhões, é apaixonado por motocicletas e economia! Foi coordenador de comunicação na TV Globo, assessor de imprensa na então Fiat Automóveis, hoje FCA, e editor-adjunto do Caderno de Veículos do Jornal Hoje Em Dia e O Debate, ambos de Belo Horizonte (MG).