Com as interrupções das rodovias por manifestantes, a imprensa generalista e sem conhecimento em logística, divulga que os abastecimento das cidades dependem dos caminhões, mas como se a dependência poderia ser resolvida com os trens. É preciso de conhecimento e estudos para opinar sobre o papel de cada modal de transporte. O transporte ferroviário tem grande importante para cargas de baixo valor agregado, alto volume e peso, grandes distâncias, produtos não perecíveis e grande prazo para entregas devido a baixa velocidade média e demorado tempo para carga e descarga.
O abastecimento das populações que vivem nos mais de 5.570 municípios no 8.516.000 km². Veja que o Brasil ainda é precário em rodoviárias conforme pesquisas da CNT (Confederação Nacional do Brasil):
Farmácias:
Isso é uma verdade, mas colocada de forma que as ferrovias poderiam abastecer os 91.351 supermercados nos mais de 5.500 municípios pelo País, e todas as farmácias do País (veja quadro do Conselho Federal de Farmácia):
Hospitais públicos e privados:
Os trens não conseguem abastecer as mais de 70 mil padarias. Veja o número por estado:
Número de restaurantes e bares:
Das 20 maiores economias, 18 países dependem mais do caminhão do que o Brasil
A afirmação de que 60% do transporte de carga é realizado sobre rodovias está correta? O número 60% é citado em diferentes contextos, às vezes, em tom negativo, para explicar a dependência que existe dos caminhões, para defender outros modais e, às vezes, de forma apenas didática. Quase sempre fica a impressão de que o Brasil é pouco desenvolvido nos outros modais de transporte, o que pode ser em parte, mas não por culpa das rodovias, pois faltam estradas também, pois apenas 12,8% de toda malha viária oficial é pavimentada. A questão da multimodalidade é tema de outro artigo. Como é nas maiores economias?
Realizei uma ampla pesquisa sobre as 20 maiores economias, sempre buscando como fonte o site do governo de cada país, estudos acadêmicos ou entidades independentes do setor de transporte, como a CNT (Confederação Nacional do Transporte) no Brasil. Com base nos dados do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados pelo FMI (Fundo Monetário Mundial) de 2022, temos a tabela abaixo:
Posição |
País |
PIB em US$ trilhão |
Participação do TRC |
1.º |
Estados Unidos |
22,998 |
77,4% |
2.º |
China |
17,458 |
80,0% |
3.º |
Japão |
4,937 |
90,0% |
4.º |
Alemanha |
4,226 |
72,8% |
5.º |
Reino Unido |
3,188 |
98% |
6.º |
Índia |
3,042 |
> 60% |
7.º |
França |
2,935 |
89% |
8.º |
Itália |
2,101 |
79,4% |
9.º |
Canadá |
1,991 |
69,1% |
10.º |
Coreia do Sul |
1,799 |
> 60% |
11.º |
Rússia |
1,776 |
70% |
12.º |
Austrália |
1,633 |
77,4% |
13.º |
Brasil |
1,608 |
> 61% |
14.º |
Irã |
1,426 |
79% |
15.º |
Espanha |
1,426 |
71,6% |
16.º |
México |
1,295 |
83,2% |
17.º |
Indonésia |
1,186 |
70 – 80% |
18.º |
Países Baixos |
1,019 |
55,6% |
19.º |
Arábia Saudita |
0,834 |
Dado não disponível |
20.º |
Suíça |
0,813 |
65,0% |
Fonte: órgãos públicos dos governos e instituição que representam as empresas de transportes em cada país, como a Confederação Nacional do Transporte (CNT), no Brasil
Análise
Segundo a ONU, 55% da população mundial vive em áreas urbanas, sendo que há mais de 38.000 cidades consideradas grandes, e a migração do campo para as cidades aumenta exponencialmente. Além disso, a população também cresce exponencialmente, principalmente, nas áreas urbanas. Na década 1960, a população mundial era em torno de 3 bilhões de pessoas, e atualmente, já chega a 7,8 bilhões.
No Brasil, a migração para áreas urbanas foi bem maior devido ao êxodo rural e, atualmente, 85% dos brasileiros vivem em um dos 5.570 municípios. Considerando isso, mais que o percentual atribuído ao transporte de carga terrestre é pelo valor monetário transportado, podemos desconfiar de que o percentual de 60,1% atribuído ao TRC está abaixo do que mostra a realidade.
Esta análise é apenas para apontar que os dados permitem diferentes interpretações, principalmente, conforme o contexto utilizado.
“Proporcionalmente à quilometragem asfalto vs. estrada de ferro”, o Brasil é mais ferroviário do que os EUA
Para cada 100 km de rodovias asfaltadas, o Brasil tem 13,8 km de ferrovias. Já os Estados Unidos, exemplo mundial em transporte ferroviário, são apenas 5,1 km de ferrovias para cada 100 km de rodovias. Assim, proporcionalmente, o Brasil é mais ferroviário do que o país norte-americano. Na verdade, somos um país muito atrasado em rodovias apesar de muitas pessoas dizerem que somos um país que favoreceu o transporte rodoviário em detrimento do ferroviário. Na verdade, o Brasil é deficitário nos dois modais de transporte.
O transporte sobre pneus é maior que o sobre trilhos em qualquer lugar do mundo e as razões são óbvias. A maioria da população vive em cidades e, no Brasil, em 5.570 municípios que precisam ser abastecidos e dependem de caminhões. A diversidade e o consumo de alimentos e produtos são de uma velocidade, variedade e momentos tão diferentes que o transporte precisa ter uma dinâmica e uma capilaridade impossíveis para o trem e, muitas vezes, até para o caminhão, sendo necessário o uso de furgões, chassis cabines e até motocicletas.
Por isso, nos Estados Unidos há 4,416 milhões de km de rodovias asfaltadas e 225 mil km de ferrovias, dando a proporcionalidade de 5,1% de estradas de ferro. No Brasil, temos 212 mil km de estradas pavimentadas, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres, e 30 mil km de ferrovias, conforme o mapa ferroviário da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Matematicamente, existe uma proporcionalidade de 13,8% de ferrovias. Lógico que uma das formas de comparar os números. Em densidade por km2, o Brasil tem 3,1 metros por km², e os EUA, 150 metros por km². Com o Marco Legal para a expansão da malha ferroviária, o Brasil caminha para chegar a 31 mil km de estradas de ferro. Quase totalidade dos novos investimentos são, exclusivamente, para atender às exportações de commodities, ficando o atendimento do transporte local de cargas e passageiros em segundo e terceiro planos, respectivamente, e fora do plano de investimentos estimados acima de R$ 240 bilhões.
Com o Marco Legal para a expansão da malha ferroviária, o Brasil caminha para chegar a 31 mil km de estradas de ferro, porém, quase exclusivamente para atender às exportações de commodities, ficando o atendimento do transporte local em segundo plano de cargas e passageiros fora do plano dos investimentos estimados acima de R$ 240 bilhões.
Assim, geralmente, o transporte rodoviário é importante para o consumo diário das pessoas e abastecimento das cidades e indústrias, e o ferroviário para as empresas transportarem gigantescas quantidades de carga, principalmente, para exportação. Esses dois modais não competem entre eles e ambos precisam de muito investimento para melhorar a infraestrutura do Brasil na totalidade. O mesmo vale para os demais modais que podem fazer parte da intermodalidade aplicada inteligentemente.
A função do caminhão e a do trem

Muitas pessoas, mesmo entre elas jornalistas e economistas leigos a questão entre transporte para exportação e transporte para o abastecimento das cidades, gostam de dizer o clichê de que o Brasil priorizou as rodovias em detrimento às ferrovias. Primeiramente, não temos rodovias como conhecemos no Sudeste, já que cerca de 87% delas estão sem pavimento, principalmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O Brasil é muito dependente das rodovias porque somos um País muito grande, com mais de 5.700 municípios para interligar. Segundo, que ferrovias e hidrovias também são muito importantes para melhorar a nossa logística. Não devemos, para valorizar um modal, desmerecer o outro. Vamos analisar alguns fatos, porque o Brasil precisa e continuará precisando dos caminhões para as funções genuinamente deles e onde o trem pode ajudar muito no desenvolvimento do País:
11 fatos sobre trem e caminhão
- Um país com cerca de 87% das suas rodovias sem pavimentação não pode ser considerado um país rodoviário. Todos os estados dependem de investimento e pavimentação. Também não é ferroviário por ter apenas 30 mil quilômetros de estradas de ferro e em péssimas condições, além de desatualizadas. As cargas que devem ser transportadas por trem também dependem de investimentos.
- Se na época da maior greve dos caminhoneiros fosse apenas dos profissionais que realizavam o trabalho dos trens, como a transferência da soja produzida no Centro-Oeste para os portos e depois para exportação para a China, não haveria a comoção nacional de 2018.
- A comoção nacional é devido ao desabastecimento de postos de combustíveis, supermercados, sacolões, farmácia etc., exemplo de algumas atividades físicas que dependem de caminhões. O trem jamais poderia resolver o problema de abastecer o comércio, mesmo que cada um dos municípios tivesse um terminal de recebimento de carga. Sempre haveria a necessidade de o caminhão para fazer o transporte entre o terminal ferroviário e o comércio nas cidades.
- A realidade mostra que é impossível que o trem abasteça os mais de 5.700 municípios brasileiros e seus milhões de estabelecimentos comerciais. Somente os caminhões e veículos utilitários podem fazer isso a um custo viável. Mesmo que tivéssemos 290 mil km de ferrovias, precisaríamos dos caminhões para levar as mercadorias para os supermercados, postos de combustíveis, farmácia etc. Para esclarecimento, os Estados Unidos contam com uma frota superior a 141 milhões de veículos comerciais para fazer o transporte de cargas e passageiros; e o Brasil, pouco mais de 9 milhões, considerado os utilitários leves de carga. Só de caminhões, estima-se 30 milhões nos Estados Unidos e 2 milhões no Brasil.
- Assim, como o abastecimento do comércio nas cidades, o Just-In-Time não pode ser realizado por trem, pois dependem do caminhão. No Brasil, a velocidade média do trem é de 22 km/h, enquanto a média mundial é de 60 km/h (estamos falando só de trem de carga). Por exemplo, a Stellantis, em Betim, conta com dezenas de fornecedores em distâncias de até 300 km da fábrica que precisam enviar peças para a linha de montagem de forma cronometrada. Por outro lado, as exportações da Fiat poderiam sair da fábrica para os portos de trem.
- A transferência dos carros das fábricas para as milhares de concessionárias Brasil afora não pode ser efetuada por trem, só por caminhão. Pode-se até fazer a transferência de grandes lotes do Sudeste para o Nordeste por trem ou cabotagem, o caminhão terá que completar o percurso.
- O trem é muito útil para o transporte de commodities, tanto que a Vale, VLI e Ramo, entre outras, investe bastante modal ferroviário para reduzir a alta idade média das locomotivas e da malha ferroviária.
- Para os transportadores rodoviários, as viagens de longa distância, geralmente, são menos lucrativas e desgastantes do que as de curtas e médias distâncias. É mais vantajoso levar a carga até um terminal de trem e depois pegar no terminal de destino e transportar até o consumidor final. No caso das exportações, as composições de trens conseguem chegar até os portos de saída do País.
- Para a maioria das cargas, o trem não tem a velocidade e flexibilidade desejada para os tempos atuais. As empresas e os consumidores querem “transit time” curto. No e-commerce, ganha o cliente quem tem o menor prazo de entrega. Se possível, de avião, mas custa caro. Aliás, o modal aéreo conta com 1% de participação no transporte de carga exatamente por questão de custo.
- É fato que ferrovias e hidrovias podem ajudar no transporte de diversos tipos de cargas, principalmente, para exportação. Mas não resolve a necessidade do abastecimento urbano. O ideal da composição ferroviária moderna é que ela transporte 100 vagões com 100 toneladas cada. Ou seja, 10 mil toneladas de carga em uma viagem só. SEO: dependem.
- Portanto, trem e caminhão não competem, e, sim, são complementares e eles dependem um do outro, cada um com sua função em razão do tipo de carga, quantidade, prazo para a entrega, número de remetentes e destinatários. Muitos gostam de lembrar que há muito transporte ferroviário nos Estados Unidos. Lá há muito de tudo, ferroviário, rodoviário, hidroviário e aeroviário, e, principalmente, PIB e renda per capita. A produção de caminhões (heavy trucks) nos EUA, segundo a OICA (International Organization of Motor Vehicle Manufacturers), em 2021, foi de mais de 288.251 unidades. SEO: dependem.