Carrefour
Os jornalistas recebem, diariamente, diversos comunicados das assessorias de empresas. Um comunicado sobre a inauguração de um novo centro de distribuição do Carrefour despertou a oportunidade para uma reflexão sobre os problemas logísticos que as redes de supermercados causam nas transportadoras, na vida das cidades e dos clientes; “Carrefour inaugura novo centro de distribuição de Cajamar para atender seu e-commerce e lojas físicas”. Lógico, que há também muitos benefícios que são a razão da empresa existir, portanto, uma obrigação que gera altíssima lucratividade. O Carrefour, só de janeiro a março deste ano, teve um lucro de R$ 1,043 bilhão. 
 
A logística eficiente depende do trabalho de qualidade em todas as etapas da movimentação de mercadorias. No caso do abastecimento de supermercado, um dos maiores problemas, é a ineficiência no recebimento de cargas – problema histórico e conhecido por todos os transportadores. 
 
O Carrefour é bastante conhecido nos bastidores da logística por ser altamente ineficiente, ao ponto de sindicatos de transportadoras terem que intervir para que melhorem ou as transportadoras não aceitariam mais cargas com destino ao Carrefour ou cobrarem um frete maior para compensar os prejuízos causados pelo pouco caso com o problema.  
 
O Carrefour e outras grandes redes sobrevivem porque no Brasil há poucos concorrentes ou empresas eficientes como Amazon, que começa a operar no País como marketplace, e em pouco tempo fez ações de grandes redes como Magazine Luiza e outras perderem valor.
 

A mudança da Mercedes-Benz no Brasil

 
Um exemplo interessante de mudança de postura provocado pelo aumento da concorrência é o da Mercedes-Benz no segmento de veículos comerciais. Na década de 1990, por falta de concorrentes e cerca de 60% de marketshare, a arrogância dos funcionários na época, principalmente de vendedores da rede de concessionários, acabou empurrando os clientes para a marca que estava ainda na infância, a Volkswagen Caminhões e Ônibus. Nos últimos 10 anos, a Mercedes-Benz entendeu essa questão e reverteu a situação. O slogan “As estradas falam e as Mercedes-Benz ouve” não é uma retórica de marketing. É um valor que resultou na volta da marca à liderança e uma filosofia de trabalho. Não importa se uma empresa é a maior do mundo, o cliente é sempre único e de um em um que se chega ao faturamento equivalente a R$ 175 bilhões com a entrega de mais de 517 mil caminhões em todo o mundo.   
 

Ineficiência na última etapa pode jogar todo o bom trabalho das etapas anteriores no lixo

 
A eficiência no momento de descarga do caminhão é a mais importante de todas as etapas da logística de abastecimento desses estabelecimentos, pois serviço demorado no recebimento de carga anula a eficiência de todos que participaram das etapas anteriores. 
No caso de supermercado, a situação é mais crítica para alimentos, principalmente refrigerados e congelados. O desrespeito ao horário de recebimento de mercadorias (o problema não é exclusivo do Carrefour, ocorre em outras redes, como Extra) gera problemas invisíveis a médio prazo para clientes e para saúde pública. Um caminhão com carne, por exemplo, conta com sistema de refrigeração que gera custo em seu funcionamento, seja no consumo de diesel ou de eletricidade – os supermercados raramente têm tomada para o refrigerador ser ligado. Os investimentos em infraestrutura e tecnologia são importantes, mas o treinamento e motivação das pessoas envolvidas são mais ainda. 
 
No mês de setembro deste ano, o Carrefour inaugurou um novo centro de distribuição em Cajamar (SP) destinado para sua operação logística de eletroeletrônico para os canais físicos e e-commerce. O Brasil cresce no e-commerce abaixo da média dos países com população acima de 200 milhões de habitantes devido a diversos fatores, como baixa escolaridade da população para lidar com as mudanças dos meios digitais, baixo investimento das empresas em treinamento e retenção de talentos, alta burocracia do governo e das empresas, alto índice de golpes na internet etc. 
 
O exemplo acima sobre a ineficiência do Carrefour no recebimento de mercadorias ilustra um dos motivos do Brasil ter alto custo logístico. Somado a isso tem a alta carga tributária e a péssima infraestrutura do País. Em comunicado, o Carrefour informa que as vendas no e-commerce cresceram 51%, mas peca ao não informar qual o número absoluto. Crescer 51% pode ser 100 para 151, de 1.000 para 1.515 ou de 10 para 15,1. O percentual sem o número absoluto de vendas significa meia verdade.
 
Como o percentual isolado pode gerar uma ideia distorcida. Por exemplo, a Dodge (não há como mentir em emplacamentos de carros, pois os números de licenciamentos pelos Detran’s e notas fiscais emitidas são públicos) cresceu as vendas dela em 443,5%. Foram 23 veículos vendidos em agosto de 2018 e 125 no mesmo mês deste ano. Considerando o mesmo período para comparação, a Volkswagen cresceu “apenas” 17,8%, ou entregou 2.486 automóveis a mais em agosto deste ano – foram 30.030 em agosto de 2018 e 33.544 em 2019. Fica a dica para a assessoria do Carrefour: não divulgue percentual sem dados concretos que expliquem o percentual. No mais, o Carrefour tem potencial para melhorar e crescer e isso interessa a economia brasileira e aos consumidores. Só precisa correr para corrigir as falhas antes que concorrentes verdadeiros cheguem. 
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Marcos Villela
Jornalista técnico e repórter especial no site e na revista Transporte Mundial. Além de caminhões, é apaixonado por motocicletas e economia! Foi coordenador de comunicação na TV Globo, assessor de imprensa na então Fiat Automóveis, hoje FCA, e editor-adjunto do Caderno de Veículos do Jornal Hoje Em Dia e O Debate, ambos de Belo Horizonte (MG).