Com larga experiência no segmento de caminhões pesados por longos anos na Scania, de representante distrital até diretor-geral da área comercial, Roberto Leoncini assumiu a vice-presidência de marketing e vendas da Mercedes-Benz do Brasil em junho de 2014. Dois anos depois, o resultado é um forte crescimento da presença da marca no segmento de pesados e, há cinco meses, a retomada da liderança do mercado de caminhões no Brasil.
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O executivo e engenheiro mecânico falou com exclusividade com a TRANSPORTE MUNDIAL sobre o atual situação do setor e as mudanças pelas quais a Mercedes-Benz vem passando. 

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TRANSPORTE MUNDIAL • Percebemos, pelos números de emplacamentos, um forte crescimento de vendas no segmento de pesados desde a sua chegada à marca. Como você avalia esse crescimento em um mercado em queda?

Roberto Leoncini • Tenho certa familiaridade do segmento e isso ajuda, mas a Mercedes-Benz já vinha fazendo uma série de ações em melhorias. O Axor, por exemplo, teve 42 alterações com relação a conforto e economia de combustível. Junto com isso, quando cheguei, estávamos quase na fase final de gestação do novo Actros. Eu participei em algumas coisas, pude dar alguns palpites. Acho que as melhorais no Axor e Actros os tornaram construídos para as nossas condições de rodagem, que são bem diferentes da Europa. Isso avalizou o que os clientes pediam. Agora a marca começou a entender e está dando mais atenção para o segmento de pesados e, junto com isso, a empresa veio com a filosofia “as estradas falam e a Mercedes ouve”. Quer dizer, veio toda uma estratégia para o segmento. Começamos a nos posicionar junto aos motoristas, pois a gente estava um pouco distante deles. A gente começou a mostrar mais o caminhão, que não é mais aquele que em um momento era duro, desconfortável. Temos que levar, também, em consideração o momento econômico, no qual aparecemos como mais uma opção.

TM • Como avalia o desempenho da Mercedes entre os semipesados?

Leoncini • A estratégia para esse segmento foi fazer melhorias no Atego. A gente tinha alguma resistência por parte dos implementadores por causa do chassi bipartido. Então, na hora de implementar, o chassi  tinha que passar por um trabalho um pouco maior do que os das outras marcas. Agora, a gente introduziu o chassi liso que facilitou a implementação. Não existe mais essa resistência e estamos retomando clientes que foram para a concorrência por causa dessa nossa pequena deficiência. Também começamos a entregar os 8×2 de fábrica. Agora já temos o Atego 3030 8×2 e 3026 8×2. Já na versão cavalo mecânico, temos o produto na prancheta da engenharia, mas vamos observar o mercado e aguardar um pouco para lançar.
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TM • E como está o câmbio automatizado nos semipesados?
Leoncini • O câmbio automatizado é uma tendência que, daqui a pouco, estaremos discutindo também nos leves. Os fornecedores já têm as soluções para os leves, mas, agora, precisamos viabilizar economicamente isso, porque tem que encaixar no preço do caminhão e no valor do frete. Mas, sem dúvida nenhuma, é um equipamento que ajuda o motorista e melhora a economia de combustível. Mas, voltando para o extrapesado, observamos que existem vários motoristas que, apesar de estarem com câmbio automatizado, tanto da Mercedes quanto de outras marcas, no dia a dia, usam de 70% a 80% do tempo no modo manual.

TM • Mas isso é por falta de treinamento, não?

Leoncini • É por falta de treinamento e falta um pouco de convencimento do motorista que ainda acha que ele opera melhor do que o próprio caminhão automatizado. É evidente que o câmbio não enxerga a frente, portanto, o motorista tem que interagir com o câmbio algumas vezes, mas isso seria usar o câmbio 80% no modo automático e 20% no manual. O motorista teria um resultado muito melhor. E isso é um trabalho que a montadora também tem responsabilidade por meio da rede de concessionárias, através de parceiros como a Fabet, para a gente mostrar para o motorista que estamos aqui para ajudá-lo. Isso é um trabalho de mudar o comportamento do motorista, principalmente dos que têm mais experiência, que são os que têm maior resistência para aceitar o câmbio operando sozinho na maior parte do tempo. 

TMDurante as comemorações dos 60 anos da Mercedes no Brasil, falou-se na retomada do mercado aos números de 2011 (o maior da história) dentro de quatro anos. Em que a Mercedes-Benz se baseou para ter essa perspectiva? 

Leoncini • A gente está em um momento em que qualquer executivo da indústria de caminhões tenta se apegar a alguma coisa para achar que vamos voltar o quanto antes possível. Praticamente, o que a gente está fazendo é a lição de casa, ficando mais rápido, aproveitando essa ociosidade para desenvolver estratégias para atender melhor cada segmento e as ferramentas para tomadas de decisões, aproveitando para conversar com a rede, checar perfil das forças de vendas e treinar as equipes. O mercado vai voltar porque o pais não aguenta mais o ano de 2017 com PIB 4% negativo. Uma coisa que tenho certeza é que a Mercedes estará muito mais bem preparada para a hora que o crescimento voltar.

TM • No segmento de leves e médios, como está posicionada a Mercedes-Benz?

Leoncini • O segmento de leves, em 2014, representava 22% do mercado total de caminhões. Neste ano caiu pouco em relação a 2015 e representa quase 28%. A Mercedes-Benz sempre esteve muito bem presentada nesses segmentos. O nosso ponto fraco eram os extrapesados, agora solucionado.

TMEntre os dez caminhões mais vendidos, há versões do Axor. E o Actros? 

Leoncini • Vejo oportunidades em grandes frotas do agronegócio, no qual brigávamos com o Axor disputando com caminhões premium da concorrência. Com o Actros, agora, chegamos de igual para igual. Quando estamos discutindo caminhão para longas distâncias, que o motorista fica no caminhão entre 15 e 20 dias, você precisa apresentar outro nível de conforto para ele. Brigar com uma cabine de 2,3 metros, que é a do Axor, com cabine de 2,5 metros fica um pouco injusto. Agora a gente chega com o Actros e, na MegaSpace, a maior versão de cabine em espaço interno que temos hoje, a gente começa a jogar em outra liga. É em cima dessa liga que a Mercedes-Benz vai com o Actros. Ainda não aparecemos (na lista dos dez pesados mais vendidos) porque lançamos o novo Actros em outubro e nós começamos a entregar em fevereiro e os emplacamentos começaram há pouco tempo. Este é um segmento tradicional, no qual os clientes são extremamente bem atendidos pelas marcas de seus caminhões. Então a gente tem que fazer a lição de casa e mostrar que, além dos produtos, nós temos competência para atendê-los no Brasil inteiro do jeito que eles precisam ser atendidos. 

TM • Conversando com executivos de todas as marcas, percebemos que frases como “oferecemos o melhor atendimento, melhor pós-vendas e o menor TCO (total do custo operacional)” são promessas comuns. Como se diferenciar sem repetir os mesmos chavões?

Leoncini • Acho que temos que nos diferenciar nos detalhes. Como você disse, o discurso de todos os executivos da indústria de caminhões vai mesmo para o “nós temos a melhor solução”. A Mercedes tem algumas vantagens em comparação com o que eu conheço. Ela tem um centro de tecnologia em São Bernardo do Campo (SP), com quase 300 engenheiros, que trabalham para a Daimler como um todo, e eles estão também trabalhando para nós. Então posso levá-los ao cliente para verificar uma aplicação e eu consigo mudar o software da caixa para uma aplicação específica, por exemplo. Falando em TCO, nós temos três linhas de peças para oferecer ao cliente. Dependendo da idade do caminhão, tenho Renov (peças remanufaturadas), Alliance e peças genuínas. E manutenção, para o caminhão de um a quatro anos, é um tipo de peça que usa. Em um caminhão de 10 anos, se você tentar vender uma peça genuína, a conta não vai fechar. Então, o cliente precisa ter outra opção. E a Mercedes tem essa outra opção. E agente tira muita informação do caminhão quando ele tem FleetBoard. Um exemplo: nós decidimos entregar todos os Atego e Axor com o FleetBoard instalado e o cliente faz a opção se ativa ou não. Nos Actros, nós optamos por ativar em 100% dos veículos que entregamos. Assim, eu peço ao cliente para parar o caminhão, porque via FleetBoard sabemos que a lanterna esquerda dele, por exemplo, está queimada, e muitas vezes o cliente não sabe e nós avisamos. 

TM • Com as informações do FleetBoard já é possível gerenciar o estoque de peças na rede? 

Leoncini • Sim. Na verdade, por que ativei todos os Actros? Queria saber em qual concessionária e quando o caminhão entra, qual o desempenho que o Actros está tendo e entender o comportamento do cliente de rota e, assim, conseguir ter nas concessionárias exatamente o que cliente precisa. Também chegar a um ponto, como já acontece na Alemanha, que você entra em contato com o motorista e diz que viu um código de falha no caminhão e que ele não precisa parar agora, mas deveria parar nas próximas 24 horas, com as opções em sua rota para que o motorista escolha onde quer parar, e nós vamos preparar o concessionário para atendê-lo. Nós temos ferramentas para chegar nisso aqui no Brasil.

TM • A Mercedes é a única marca que tem loja própria de usados. Como está o desempenho da SelecTrucks?  

Leoncini • No mês de maio, a previsão de vendas era de 40 a 45 caminhões. O acesso ao novo, com o custo e a restrição que alguns bancos estão colocando no crédito, está gerando uma certa demanda no usado. Aí a SelecTrucks faz a diferença. Entre um cliente comprar um caminhão seminovo em uma loja desconhecida e na SelecTrucks, ele vai na SelecTrucks porque ele tem um ano de garantia, sabe que checamos o caminhão inteiro, principalmente se o caminhão tem alguma restrição, inclusive trabalhista, e os pneus são novos. E vamos ampliar a nossa atuação para Belo Horizonte e para outras regiões.

TMComo fica o preço em relação ao mercado?

Leoncini – Temos preço competitivo se for comparar comprar um caminhão na SelecTrucks ou em qualquer garagista e não somos mais caros por causa da garantia etc. Temos preços iguais ou de 2% a 3% mais caro. A estratégia é não embutir a garantia e os pneus novos no custo do caminhão. 

TM • A Mercedes começou o ano na liderança do mercado de caminhões. Como analisa isso?

Leoncini – Nada é eterno. E essa liderança vou atribuir ao fato de que a gente começou a fazer coisas diferentes e com uma nova abordagem. O que me interessa é o seu João, seu Antônio, seu José, que são os clientes que estão lá na ponta. A rede está junto com a gente na estratégia para chegar lá na ponta. A gente tem que conhecer a ponta, falar com a ponta, saber o que o cliente precisa e a gente tem que entender do negócio dele. Saber como ele carrega, como descarrega, por quanto tempo ele opera, como ele treina o motorista, como incentiva o motorista. Isso era uma coisa que era pouco praticada. Agora a gente está praticando muito. Então, eu acho que o mercado começa a reconhecer. Os clientes eram nossos, em algum momento nós os perdemos e agora estamos recuperando.

TM • Você acredita que a situação de poucas compras está criando um mercado reprimido?

Leoncini • É muito triste o que está acontecendo. Nós conseguimos, em alguns segmentos, sair de uma frota com idade média entre sete e dez para três anos. As grandes frotas do agronegócio eram de três anos há um ano e meio. Isso para produtividade é fantástico. A falta de infraestrutura com uma frota velha ia ser uma tragédia para o transporte no agronegócio. A frota nova minimizou os problemas causados pela falta de infraestrutura. E isso está começando a se perder, pois houve adiamento de renovação de frota. O transportador sabe que é melhor para ele ter uma frota com três anos de idade média. Antes, o frotista tinha 20 mecânicos, quando ele tinha um caminhão de 10 anos. Com uma frota nova ele não precisa disso tudo. Quando voltar o mercado, com certa racionalidade de juros, tipos de financiamentos etc., com certeza esses segmentos que conseguiram passar para o outro patamar vão querer continuar nesse patamar melhor. Mas também ninguém vai voltar comprando 400 caminhões. Não vai ser um grande volume de vendas, mas, perto dos volumes que temos hoje, será interessante.

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Marcos Villela
Jornalista técnico e repórter especial no site e na revista Transporte Mundial. Além de caminhões, é apaixonado por motocicletas e economia! Foi coordenador de comunicação na TV Globo, assessor de imprensa na então Fiat Automóveis, hoje FCA, e editor-adjunto do Caderno de Veículos do Jornal Hoje Em Dia e O Debate, ambos de Belo Horizonte (MG).