Como prometido na edição 189 da revista TRANSPORTE MUNDIAL, na qual publicamos a entrevista com o presidente mundial da Iveco, Thomas Hilse (link para esta entrevista exclusiva no final deste artigo, publicamos a entrevista com o líder da América Latina, Márcio Querichelli, com foco nosso continente. Confira:
- A IVECO possui 20 anos de pioneirismo e liderança em caminhões a gás na Europa. No Brasil, há ensaios de todas as marcas, mas, apenas uma concorrente está produzindo e entregando caminhões GNL aos clientes. A IVECO pretende replicar aqui a sua posição mundial de líder neste combustível?
A Iveco investe no desenvolvimento de tecnologias de propulsão com combustíveis alternativos e na implementação destes no mercado de transporte, principalmente no gás natural veicular para veículos de transporte de carga. Na Europa, já comercializamos veículos movidos a GNV e GNL (gás natural liquefeito – que melhora a densidade de armazenamento e, por consequência, a autonomia do veículo) nas gamas Daily, EuroCargo (equivalente ao nosso Tector), Hi-Road, Hi-Way e S-Way – a chamada linha Natural Power. Na América Latina, temos projetos piloto com clientes e parceiros estratégicos como parte de um plano de localização da tecnologia, com prazos ainda a definir.
Na Argentina, a Iveco é a primeira montadora do país a ter o certificado de homologação para fabricar caminhões movidos a gás natural comprimido (GNC), com a licença (LCM – Model Configuration License) para o Tector 160E21. A nova configuração do produto oferecerá desempenho equivalente aos caminhões movidos a diesel, com menor emissão de gases poluentes e de ruído, e também terá uma redução de custos de até dois terços em relação aos modelos movidos a combustíveis fósseis.
O caminhão será o primeiro integrante da linha “Natural Power” a ser produzido no país sul-americano. A versão 160E21 tem tração 4×2 e é impulsionada pelo motor NEF 6, ciclo OTTO da FPT Industrial, com 210 hp e 750 Nm de torque. O veículo possui seis tanques de GNC, cada um com 80 litros de volume, o que permite um alcance de aproximadamente 300 quilômetros de autonomia, oferecendo potência e um baixo nível de emissões gasosas e sonoras.
No Brasil, apostamos muito no Gás Natural Veicular (GNV) como uma alternativa viável para a redução de poluentes e custo operacional no transporte de cargas e transporte publico de pessoas.
A Iveco enxerga um potencial muito elevado de introdução da tecnologia em aplicações urbanas, principalmente nas grandes capitais. Coleta de resíduos sólidos e entrega de mercadoria porta a porta representam as aplicações típicas da tecnologia GNV. Na Europa o GNV e GNL (gás natural liquefeito) representam uma alternativa viável ao diesel proporcionando aos nossos clientes uma redução do custo geral da operação respeitando o meio ambiente.
Destaco também o biometano, que no ciclo completo, praticamente zera a pegada de carbono do veículo e seria uma excelente oportunidade para o agronegócio e veículos de coleta de resíduos. Reduz o custo de operação aumentando a rentabilidade do cliente.
Um ponto importante para esse processo é a retomada do crescimento econômico do país, que irá permitir aos clientes investirem em produtos movidos a combustíveis e trações alternativas. Destaco também a importância nesse processo do Programa Pró-Brasil, Marco Regulatório Gás e Petróleo, elaborado pelo ministro Paulo Guedes e em votação pelo congresso.
Outro aspecto importante para viabilizar o GNV é o estreitamento das parcerias estratégicas necessárias para que uma nova tecnologia seja introduzida de forma economicamente viável em um local com grandes oportunidades como o Brasil. Isso não vale somente para o GNV, mas sim para qualquer nova tecnologia de propulsão que tenha impacto além do produto.
Em números, podemos afirmar que chama a atenção a considerável vantagem ambiental do gás natural, que é capaz de proporcionar reduções drásticas nas maiores emissões poluentes: redução de 90% para NO2, 99% para material particulado e 10% para CO2 com o gás natural, que chega até 95% com biometano.
- Atualmente, tem alguma equipe do Centro de Desenvolvimento dedicado ao tema caminhão a gás?
Sim, temos equipes dedicadas ao desenvolvimento e aplicação de tecnologias, como o gás, para nossa linha de veículos comerciais. Existe um processo contínuo no Centro de Desenvolvimento de Produto, localizado no complexo industrial de Sete Lagoas (MG), para entender as necessidades do mercado e desenvolver tecnologias para atender essa demanda. O objetivo é que nosso cliente tenha rentabilidade e baixo custo de operação, sem esquecer o compromisso da Iveco com a preservação do meio ambiente por meio de fontes de energia que reduzem a emissão de poluentes.
- Gerrit Marx, durante a visita à Fenatran em 2019, disse que o Iveco Way-S será lançado no Brasil, como outros produtos que serão lançados para a renovação do portfólio da marca, o que já ocorre com o novo Iveco Daily. Este plano está de pé mesmo nesta crise econômica causada pela crise de saúde e política?
Todos os produtos que fazem parte do portfólio internacional da Iveco são analisados para uma eventual comercialização no Brasil, inclusive o S-Way, que é uma evolução extraordinária da nossa linha de pesados e, em breve, será lançado no Brasil. Porém, não temos uma data definida para esse e outros lançamentos por conta do cenário da pandemia que mostra que devemos ter cautela na movimentação em curto e médio prazo, devido à queda do mercado. Precisamos analisar o futuro do cenário econômico para planejarmos os próximos passos da marca no país e trazermos o que há de mais moderno e tecnológico na Europa aqui para o Brasil.
- O que os clientes podem esperar dessa correção de rota que a CNH Industrial está dando ao dar mais autonomia para as divisões de veículos?
Essa movimentação da CNH Industrial é baseada em estratégias robustas e específicas de segmentos a serem implementadas por meio de uma combinação de iniciativas de melhoria de valor, incluindo oportunidades de crescimento de vendas, iniciativas de simplificação de negócios e desempenho, eficiência de otimização de ativos e programas de engajamento e desenvolvimento de talentos. O plano ‘Transform 2 Win’ fará com que a companhia separe seus negócios em ‘On-Highway’ e ‘Off-Highway’, uma decisão que segue a conclusão de um profundo processo de revisão de portfólio, levando em conta, entre outras coisas, considerações estratégicas, de investidores e de sinergia. Esta revisão destacou que os negócios ‘On-Highway’ e ‘Off-Highway’ têm requisitos regulatórios e de clientes importantes e são impactados de maneira diferente pelas megatendências da indústria de digitalização, automação, servitização e propulsão de baixa / zero emissão. Porém, ainda não tem data para esse movimento de separação dos negócios acontecer.
- Agora, com a Covid-19, diversos projetos de digitalização que estavam em andamento para reduzir o contato entre pessoas estão sendo acelerados. Algumas marcas já até lançaram os delas. Quais projetos neste sentido que a Iveco está correndo para lançar?
Implementamos algumas ações nesse sentido reforçando, por exemplo, a Central de Atenção ao Cliente com o lançamento de um canal via WhatsApp (31-21072355) que traz mais rapidez para o contato com a marca. Em tempos de isolamento social o contato com o cliente ganhou ainda mais força. Caminhoneiros autônomos e transportadores continuam movimentando cargas pelas estradas brasileiras, e o atendimento a esses profissionais não pode parar. A Iveco também auxilia os clientes com ações que envolvem os setores de venda e pós-venda, com apoio da rede de concessionárias, e no atendimento por meio do canal 0800 702 3443 que está disponível 24 horas, onde é possível receber atendimento remoto, pedir socorro emergencial, agendar atendimento em concessionárias, tirar dúvidas e informações. O serviço também fornece direcionamento para o atendimento à distância de vendedores, caso a necessidade seja a aquisição de um novo produto.
- Segundo Thomas Hilse, em 2019, a Iveco vendeu 125.000 veículos no total de todos os países que a marca está presente. Os dados de emplacamentos no Brasil mostram que a Iveco aqui vendeu 7.175 veículos na soma de comerciais leves, caminhões e ônibus, o que representa pouco menos de 6% de participação no volume global. Este percentual é considerado satisfatório para a matriz ou terão que ter uma participação maior?
A operação da Iveco no Brasil, e em outros países da América Latina, é parte fundamental da estratégia global da CNH Industrial e da Iveco. No Brasil, temos um plano de crescimento sustentável bastante claro, que está desenhado com base em produtos de alta tecnologia, uma equipe de trabalho ‘de primeira’, uma rede de concessionárias em pleno crescimento (de 72 para 100 pontos de atendimento), e ‘movidos’ pelas tecnologias CNG e LNG, em médio prazo, e veículos elétricos e híbridos, em longo prazo.
7. Pelos números de emplacamentos, os dois modelos Daily de 3.500 kg de PBT representam 48,8% do total de veículos de carga. Considerando o amplo portfólio acima de 3.500 kg das linhas Daily, Tector, Hi-Road e Hi-Way. Como você explica isso?
A linha Daily é a campeã de vendas da Iveco, mas temos um portfólio completo de veículos comerciais. Cada vez mais estamos expandindo nossa presença em todos os setores do transporte com produtos que atendem as necessidades dos clientes. Recentemente lançamos o Novo Iveco Daily, o S-WAY está na ‘mira’ e as tecnologias de CNG e LNG vão impulsionar, consideravelmente, o crescimento da marca no país.
- A Tatra vem estudando o mercado brasileiro de mineração e florestal há quase uma década e está em adiantadas negociações para abrir uma fábrica em Ponta Grossa (PR) para ficar perto da DAF Caminhões, já que compartilham componentes por terem o Grupo Paccar como acionista em comum. Das marcas globais da Iveco presentes no Brasil, a Astra é a única que possui caminhões com características de chassi e tração para competir em um nível mais alto de caminhões fora de estrada. A Iveco alguma vez já estudou esses nichos de mercados pensando na divisão Astra ou as prioridades são outras?
Esse é um nicho de mercado que analisamos com atenção mas, a princípio, não existe nada que aponte para investimentos em curto prazo para explorar esse segmento no país com o veículos da linha Astra. Para outros países do continente, como Argentina, Chile e Peru, temos presença com importação de veículos Astra da Europa. Mas no Brasil, esse investimento não faz sentido no momento. Setores que poderiam ser objetivo comercial desse tipo de caminhão também passam por dificuldades econômicas neste momento no Brasil e no mundo. Mas não descartamos nenhum mercado ou segmento na operação da Iveco no Brasil, mas avaliamos com muito cuidado todo tipo de iniciativa no que diz respeito a lançamentos.
- Na entrevista que Thomas Hilse deu para o jornalista Gianenrico Griffini e presidente do IToY), ele mostra um certo otimismo para recuperação do mercado pós-pandemia mesmo projetando uma queda nas vendas ao redor de 35%. No Brasil, qual o sentimento?
Ainda é prematuro para fazermos previsões de como serão as vendas, exportações e produção neste ano, mas projeções da Anfavea mostram que a queda no mercado total de caminhões deve ser em torno de 35% mesmo, com no máximo 75 mil veículos no total, entre caminhões e ônibus. O agronegócio, que é um dos motores da economia no país, e o varejo devem minimizar os efeitos negativos da pandemia na economia. O crescimento da safra 2020 deve alavancar as vendas de caminhões pesados (Hi-Road e Hi-Way) no segundo semestre. Já o varejo, com o aumento no transporte de bens essenciais, impacta diretamente nas vendas de veículos comerciais leves, onde temos as linhas Daily e Tector bem posicionadas. Por isso, mantemos um otimismo realista para o nosso mercado interno brasileiro em 2020.
- Como a Iveco está apoiando seus clientes e as redes de vendas e serviços nesses tempos difíceis?
A Iveco ampliou as ações que envolvem os setores de venda e pós-venda, com apoio da rede de concessionárias, para atender o transportador e o caminhoneiro que continuam transportando cargas essenciais para a sociedade. É fundamental que a marca esteja próxima do cliente oferecendo suporte, por meio da rede de concessionárias, agora ainda mais ‘próximo’. Não basta vender o produto e fazer contato com o cliente apenas quando ele for à concessionária para uma revisão do veículo, por exemplo. Esse relacionamento será levado para outro nível. Será uma parceria em que ambos os lados têm benefícios. A proximidade, ainda maior com os transportadores e autônomos, vai proporcionar para a montadora a oportunidade de desenvolver produtos e serviços que atendam as necessidades dos clientes de forma plena, com redução de custos na operação, rentabilidade e parceria de longo prazo.
- Na Europa, conforme Thomas Hilse diz, há oferta dos contratos flexíveis. No Brasil, como está o desenvolvimento para usar a conectividade e oferecer serviços e cobranças de manutenção conforme o uso do caminhão?
Conforme antecipamos na Fenatran 2019, teremos o lançamento do Iveco Connect (lançado na linha 2021 do Hi-Way e Hi-Road ainda em 2020 na nossa linha de extrapesados. O Iveco Connect é um sistema de telemetria e conectividade inteligente que agrega, em uma única ferramenta, importantes funções.
O sistema monitora, frequentemente, o desempenho do motorista e as funções do veículo. A central, que está localizada no complexo industrial de Sete Lagoas (MG), monitora 24 horas por dia, sete dias na semana, as informações recebidas pelos dispositivos, e é responsável por antecipar a demanda dos nossos clientes em um eventual problema com o produto, contatando o motorista e sugerindo soluções. As informações individuais de cada cliente também servirão de base para oferecermos melhores produtos para suas aplicações.
O objetivo da marca é proporcionar a redução de custos, um melhor gerenciamento da frota e estar cada vez mais próxima e conectada com os clientes. Na primeira versão serão entregues diversas informações de performance veicular: rotação do motor, temperatura, torque, aceleração, consumo de combustível e geolocalização. Há uma equipe especializada no monitoramento da frota conectada.
Com o histórico dos dados, será possível entender a aplicação do cliente e fornecer serviços mais adequados a sua realidade, prevenindo falhas nos veículos e, inclusive, sugerindo configurações técnicas diferentes para determinada rota, por exemplo, se entendermos que é possível obter uma melhor performance com outro produto do portfólio da marca. Temos também uma série de serviços customizados para garantir maior disponibilidade do veículo, maior eficiência na gestão e maior produtividade ao transportador.
A cobrança de manutenção conforme o uso do caminhão é um dos próximos passos nesta evolução, mas vamos além com nossos planos conectados. A ideia é estarmos juntos do transportador e, ativamente, garantir a máxima eficiência e produtividade ao utilizar nossos produtos e serviços.
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