O cavalo arriado da educação tecnológica passou pelo Brasil há 40 anos. Mas o Brasil ignorou, mas a China e a Coreia do Sul montaram. O cavalo passou de novo há 30 anos, há 20 anos, há 10 anos, e está passando de novo. O Brasil continua a ignorar, com exceções. O Brasil está muito feliz em ser um grande exportador de recursos naturais e depois comprar produtos manufaturados com alta carga tributária. Logicamente, temos exceções graças ao heroísmo de algumas empresas, escolas técnicas e universidades. Mas, para um País com mais de 210 milhões de habitantes, 5.700 munícipios, a nossa produção de tecnologia é um grão de areia na praia. O mesmo vale para outras tecnologias, como a de hidrogênio, lítio, nióbio, soja, laranja etc. O Brasil é um dos países que mais paga royalties para diversos outros países, como semicondutores, o que encarece a construção civil, automóveis, caminhões, ônibus, trens, celulares, usinas de refino de petróleo, produção de energia solar, produção de biogás, reciclagem e a vida do brasileiro. Tudo isso compõem a lista dos diversos itens do Custo Brasil, que fazem a compra de supermercado consumir 90% da renda do pobre e apenas 1% do rico. 

Para acrescentar informações ao debate, vou compartilhar um excelente artigo da SAE Brasil, uma entidade de engenheiros automotivos que luta para que o Brasil deixe de ser copiadora e passe a ser protagonista em tecnologia:

Semicondutores – NOTA SAE BRASIL

 

 

São Paulo, setembro de 2021 – O cenário atual do mercado de semicondutores está afetando a produção mundial de veículos automotores. Frente aos impactos que a indústria nacional vem sofrendo, a SAE BRASIL busca analisar o contexto vivenciado pelo setor e contribuir, através de conhecimento estruturado, que compartilhamos aqui.

A crise de abastecimento de semicondutores afeta todos os setores da economia e ocorre em escala global. As fábricas que se dedicam à produção destes componentes se desenvolveram convergindo para uma concentração de unidades fabris na Ásia. Essa concentração fez com que países como o Brasil ficassem dependentes de uma complexa logística.

A fragilidade do abastecimento e os impactos na cadeia produtiva suscitaram intenso debate, provendo informações que levam a rever se processos Just-in-Time são os mais adequados para este tipo de insumo.

A grande variedade de componentes e o ciclo de vida cada vez mais curto dos produtos intensificam o desafio. Agregado a estes fatores, reconhece-se que no caso do Brasil os volumes demandados são pequenos quando comparados aos volumes globais, impactando diretamente na priorização de abastecimento pelos fabricantes.

O fluxo de processos, desde a prospecção de matérias-primas até a aplicação final dos semicondutores, envolve uma alta complexidade tecnológica, elevados investimentos e longo tempo de implementação. Devido a estas condições, o desenvolvimento desta indústria para aplicação automotiva não se tornou viável no Brasil até o momento. No entanto, diante do cenário da escassez de semicondutores, as premissas assumidas nas análises passadas podem não ser mais válidas.

Há uma variedade de mecanismos de incentivo que permeiam a temática dos semicondutores e podem ser bem aproveitados para estimular o desenvolvimento local buscando o fortalecimento da indústria nacional.

Um elemento fundamental para a alavancagem da indústria é a qualificação de mão de obra e o Brasil possui uma sólida e ampla estrutura de formação de profissionais.

A matriz SWOT apresentada ao final deste documento correlaciona os pontos discorridos acima e apresenta uma maior riqueza de detalhes. Na matriz podem-se identificar oito elementos (referenciados pelas letras de A a H).

Cada um destes elementos possui diferentes aspectos. Quando estes aspectos se referem ao ambiente interno, o elemento (A-H) se enquadra como uma Fortaleza, quando os aspectos forem favoráveis ao tema, ou como Fraqueza, quando os aspectos forem desfavoráveis. E quando os aspectos se referem ao ambiente externo, o elemento (A-H) se enquadra como uma Oportunidade ou Ameaça, se os aspectos forem favoráveis ou desfavoráveis respectivamente.

Avaliando-se os aspectos levantados, recomenda-se o mapeamento da cadeia de valor da indústria de semicondutores, juntamente com o mapeamento dos recursos disponíveis, assim como a identificação das potencialidades e prioridades locais.

Estes pontos fomentam a reflexão para a tomada de decisão de como o Brasil pode tratar estrategicamente o tema semicondutores para fortalecer sua atuação e reduzir a dependência global, viabilizando o desenvolvimento direto e indireto de diversos setores da economia e da ciência e tecnologia, dentre eles, o setor da mobilidade.

A crescente utilização de semicondutores na digitalização, nas tecnologias de conectividade e no uso doméstico de eletrônicos, além dos aspectos próprios da transformação corrente das tecnologias de mobilidade, ratificam a relevância deste debate para a indústria brasileira.

Essa simples contribuição através da matriz SWOT é uma parte do debate que temos feito. Estamos de portas abertas para acolher a todos que queiram se juntar a nós para continuarmos buscando soluções para a carência de semicondutores para nossa indústria.

S

FORÇAS

W

FRAQUEZAS

O

OPORTUNIDADES

T

AMEAÇAS

A – Capacidade profissional

Potencial perfil do profissional brasileiro

 

B – Mercado Interno

Forte em celulares e notebooks

 

C – Matéria-prima

Reservas de Terras Raras

 

 

 

 

 

 

 

F – Incentivos

Leis da Informática, Rota 2030, Programa PADIS e ex-tarifário

 

G – Capacidade produtiva

Estatal, fábricas locais, etapas do processo disponíveis e matriz energética

 

 

A – Capacidade profissional

Baixa disponibilidade de profissional brasileiro

 

 

 

 

 

 

D – Custo

Custo Brasil

 

E – Logística

Distância dos fornecedores pela falta de opções locais e dependência dos globais

 

F – incentivos

Política Industrial

 

 

G – Capacidade produtiva

Protagonismo para a criação de parcerias

 

 

A – Capacidade profissional

Formação/capacitação e parceria academia-indústria

 

B – Mercado Interno

Digitalização do agronegócio, eletrificação, 5G, padronização de componentes

 

C – Matéria-prima

Matéria-prima local e desenvolvimento de novos materials

 

D – Custo

Melhoria de processos e controle de Draw Back

 

E – Logística

Descentralização estimulada pela pandemia e repensar Jus-in-Time para certos itens

 

F – incentivos

Política de longo prazo e incentivo a design houses

 

G – Capacidade produtiva

Priorização de itens, consórcios e parcerias, diferenciação

 

A – Capacidade profissional

Exportação de mão-de- obra

 

B – Mercado Interno

Demanda local relativa ao mundo, grande variedade de componentes, ciclo de vida curto

 

C – Matéria-prima

Dependência de insumos importados

 

D – Custo

Protecionismo fiscal

 

E – Logística

Concentração e escala da Ásia e aceleração tecnológica de “novos emergentes”

 

F – incentivos

Baixo investimento em Ciência e Tecnologia

 

G – Capacidade produtiva

Investimento alto, tempo de implementação, desindustrialização local

 

H – Cenário político

Mudança constante de leis e política

 

 

Sobre a SAE BRASIL – A SAE BRASIL é uma associação de pessoas físicas, sem fins lucrativos, que tem como propósito ser “A Casa do Conhecimento da Mobilidade Brasileira”. Participam da entidade profissionais de variadas áreas, unidos pela missão de criar e de disseminar conhecimento, visando a desenvolver tecnologia e inovação no ecossistema da mobilidade. Fundada no Brasil em 1991 por executivos dos segmentos automotivo e aeroespacial conscientes da necessidade de se abrir as fronteiras do conhecimento da mobilidade e da integração do País ao processo de globalização da economia, a SAE BRASIL é referência nacional para a integração da indústria, academia, 3º setor e dos órgãos técnicos do governo. Conta com 6 mil associados e 09 seções regionais distribuídas desde o Nordeste até o extremo Sul do Brasil, constituindo-se hoje em uma das mais relevantes instituições do setor da mobilidade brasileira. A SAE BRASIL é filiada à SAE International, fundada em 1905, nos EUA, por líderes de grande visão da indústria automotiva e da então nascente indústria aeronáutica, entre os quais se destacam Henry Ford, Orville Wright e Thomas Edison. Ao longo de mais de um século de existência tornou-se uma das principais fontes de normas, padrões e conhecimento relativos aos setores automotivo e aeroespacial em todo o mundo, com mais de 35 mil normas geradas e mais de 138 mil sócios em cerca de 100 países.

 

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Marcos Villela
Jornalista técnico e repórter especial no site e na revista Transporte Mundial. Além de caminhões, é apaixonado por motocicletas e economia! Foi coordenador de comunicação na TV Globo, assessor de imprensa na então Fiat Automóveis, hoje FCA, e editor-adjunto do Caderno de Veículos do Jornal Hoje Em Dia e O Debate, ambos de Belo Horizonte (MG).