Nos últimos dias tive a experiência de utilizar um furgão elétrico na cidade de São Paulo.  Dirigir o veículo foi muito positivo, mas recarregar a bateria foi muito frustrante. Isso me inspirou a escrever este artigo. Mais do que só contar a experiência, o objetivo será relembrar os questionamentos que fazemos há décadas e que continuam atuais. Para tornar a leitura mais objetiva e fluída, eu escrevi no formato pingue-pongue, com perguntas que, geralmente, eu faço para eu mesmo refletir. As respostas são com base nas perguntas que faço para especialistas. Não vou citar a marca e nem o modelo neste artigo pois o foco não é o veículo e, sim, uma análise sobre os veículos 100% elétricos a bateria e, principalmente, a infraestrutura e as fontes de energia alternativa

Qual foi a experiência como motorista?

Muito superior a dirigir um veículo com motor a combustão. Além do óbvio, que é o silêncio, foi ter a sensação de torque total desde o início da aceleração. O furgão teve um desempenho muito superior, principalmente, pela dinâmica em razão da boa distribuição de peso proporcionada pelas baterias estarem distribuídas ao longo do veículo, diferentemente, do convencional que tem o maior peso sobre o eixo dianteiro.

E sobre a autonomia?

O fabricante informa que o furgão tem 330 km de autonomia. É a melhor informação do ponto de vista de marketing. Realmente é possível ter esta autonomia, desde que o motorista seja magro e mais leve possível, saiba usar a inércia a favor, o veículo esteja vazio, sem ar-condicionado ligado, vento a favor, pressão atmosférica baixa, mais descida do que subida no percurso e tudo mais que possa favorecer o baixo consumo. No computador de bordo é mostrada a autonomia que vai baixando não na mesma proporcionalidade do percurso, mas de forma múltipla. Por exemplo, o computador informa 200 km de autonomia, você roda 2 km, e autonomia baixa para 191 km mesmo pisando muito leve no acelerador e, assim, sucessivamente até você ficar tenso para ter autonomia até chegar até uma estação de recarga.

Conseguiu recarregar o furgão?  

Sim e me custou a metade de um dia para conseguir recarregar para uma autonomia de 34 km após algum estresse. Como eu estava no Corredor Norte-Sul de São Paulo (conhecido como Av. 23 de Maio mesmo mudando de nome várias vezes), o aplicativo PlugShare me mostrava a estação mais perto no Shopping Light, no centro de São Paulo. Cheguei na entrada do estacionamento que tinha uma cancela fechando a entrada. O porteiro informou que o estacionamento estava lotado. Eu pedi só para ter acesso ao ponto de recarga porque o furgão estava com autonomia somente para mais 2 km. O porteiro me informou que a estação estava desativada. Atrás do furgão parou uma Mercedes-Benz Classe E e o motorista deste carro perguntou ao porteiro se o estacionamento estava aberto e o porteiro, na cara-de-pau na minha frente disse que o Senhor da $$$$$ pode entrar e me pediu para retirar o furgão da entrada. Foi claro o preconceito com os motoristas de furgão, mas eu estava mais focado em encontrar outro lugar para a recarga.

Consultei novamente o aplicativo e o outro lugar e era um ponto de atendimento da Porto Seguro Bela Cintra a 1,7 km de distância. Indo para lá, os 2 km de autonomia caíram para 0 km, mas o veículo chegou até o local, provavelmente, por ter uma reserva estratégica. Na Porto Seguro fui muito bem-atendido e, mesmo não sendo cliente, eu pude utilizar a estação. Para minha surpresa, precisa de mais de 35 horas para recarregar 100% da bateria. Após 3 horas, tinha recarga para rodar 34 km. 

Há muitos pontos de recarga em São Paulo?

Sim, dezenas. Eu fui atrás de outros, mas todos com a estação de baixíssima velocidade. A estação que os fabricantes dizem carregar em 4 horas custa mais de R$ 200 mil e quase ninguém compra. Todos são os mais baratos, tipo monofásico com capacidade máxima de kW chamados de Wallbox que pode ser encontrado na internet a partir de R$ 7 mil. É um tipo para atender uma emergência e com disponibilidade de tempo para deixar o veículo parado. Este é o tipo disponível em quase todas as estações. A ABB, um dos maiores fornecedores de estações de carregadores, é pouco transparente e cobra muito caro. A ABB evita relacionamento com imprensa para não ter que responder perguntas. Pelo menos, não responderam as minhas. 

Mas e essas parcerias com empresas de estacionamento em toda a cidade?

É verdade e eu fui experimentar para conhecer o serviço na prática. O que você economiza na energia elétrica você paga ao estacionamento para utilizar a vaga, com custo que pode chegar ao preço de um tanque cheio de gasolina. Se colocarmos em uma planilha de Excel, os ganhos financeiros, de eficiência e ambientais são bem polêmicos.

Explica melhor a questão dos ganhos financeiros?

O veículo elétrico chega a custar de duas a três vezes mais caro do que o modelo convencional. O investimento sobre o veículo se paga no longo prazo? Sim, porque os custos de manutenção serão menores ao longo da vida do veículo desde que a bateria não dê problemas por 10 anos. No entanto, é preciso colocar na planilha o custo da estação de recarga e o tempo que o veículo estará parado, que, em logística, é o maior custo de uma frota, conhecido como indisponibilidade. Para as empresas que os caminhões só trabalho durante o dia, isso não é problema. O difícil é para a logística que não permite que o veículo fique parado de 8h a 12h. 

Mas a Ambev não está fazendo um mega investimento em caminhões elétricos para a distribuição dos produtos?

É verdade, mas é o único projeto que podemos chamar de muito bem elaborado e não apenas para foto no Instagram e release para jornalista para tentar um marketing gratuito. A Ambev não só tem o maior projeto de eletromobilidade do Brasil, e sim, do mundo. O Brasil está sendo piloto para todos os outros países em que a empresa está presente por meio da InBev. A Ambev já tem cerca de 100 VW e-Delivery rodando e o projeto é ter 1.600 caminhões e estações de produção de energia solar em cada local em que os caminhões passam parados à noite, pois não há entrega de bebidas no período noturno. Devemos considerar que a Ambev está utilizando linhas de financiamento do BNDES para este fim e é um projeto de longo prazo. Para comparar, vamos pegar uma gigante do setor de bebidas que segue na mesma linha, mas em muitos degraus ainda atrás. A Coca-Cola Femsa, no dia do lançamento do VW e-Delivery mandou um comunicado para a imprensa dizendo que comprou 20 caminhões VW e-Delivery e que quer ser líder em mobilidade sustentável. Nem precisa dizer que faltam 69 e-Delivery para a Coca ser a Ambev em 2021. Nem precisa de uma calculadora para perceber que a Femsa terá que investir 500% mais para empatar com a Ambev. Até o momento, a Femsa conta com 31 VW e-Delivery e sem estação limpa de carregamento dos veículos, pois vão depender das distribuidoras públicas de energia. A Ambev no topo da transparência sobre mudança para logística sustentável e, mesmo em degraus mais a baixo, a Femsa são exemplos de empresas que não estão cobrando caminhões baratos importados para fazer apenas foto para as redes sociais.

Mas com o ganho de escala de produção não vai fazer os custos baixarem?

Vai sim, mas quando isso acontecer, os veículos elétricos já estarão obsoletos, pois os modelos movidos a hidrogênio verde já serão realidade e mais caros. Em alguns países, isso já é realidade. Enquanto marcas europeias prometem caminhões com célula de combustível movidos a hidrogênio para a segunda metade desta década, a Hyundai já vendeu mais de 100 caminhões movidos a hidrogênio na Suíça e na Alemanha. Este tipo de veículo já é realidade. A pergunta que precisa ser feita é: Brasil tendo o potencial para ser o maior produtor mundial de hidrogênio verde, quando vai acordar para isso? 

Mas qual o problema dos veículos elétricos a bateria?

Tirando a bateria, eles são perfeitos. 

Como assim?

Primeiramente, somos dependentes do lítio para esse tipo de bateria. Para entender o tamanho do problema desta dependência do lítio, eu recomendo ler o livro “Manual do Lítio e Cálcio na Natureza”. Uma coisa é destruir parte do planeta para extrair lítio para fabricar remédios e bateria de celular. Quanto pesa uma bateria de celular? 60 gramas. E de um veículo? O pack de baterias do Tesla tem o peso de  1.745 kg. A de um caminhão ou ônibus pode chegar a mais de 3.000 kg. Agora, responda às seguintes perguntas que eu ainda não tive resposta: qual a reserva de lítio no mundo? Em quais países? Qual a necessidade para uma produção em escala global? Qual o custo ambiental disso devido ao uso excessivo de água potável?

Mas há muitos investimentos para chegar em uma bateria melhor…

Sim, mas são interrogações sem resposta. Não vamos entrar na polêmica de outro mineral utilizado nas baterias, o cobalto. 

O Brasil domina a tecnologia que promete o uso do nióbio para tornar as baterias mais eficientes…

O Brasil é muita gente. Das mais de 19 milhões de empresas que existem e mais de 210 milhões de pessoas, apenas uma empresa, que pertence a uma família de banqueiros, possui a tecnologia guardada como segredo, domina a tecnologia de produção do nióbio e as maiores reservas dos minerais para produção do nióbio. E mesmo assim, o Brasil ainda é primitivo em termos industriais. O nióbio é enviado para o Japão e a bateria importada com todos os custos que isso representa. Por pior que o petróleo seja, não podemos trocar seis por três, pois há reservas de petróleo no mundo todo, já a tecnologia das baterias está na mão de poucos. Não estamos resolvendo o problema, apenas trocando para a mão de outros. 

Scania e Iveco contam com caminhões movidos a gás. E as outras marcas no Brasil?

Cada uma tem o posicionamento estratégico para o mercado. Existem engenheiros inteligentes e com boa formação acadêmica em todas marcas, mas as estratégias são decididas pela alta direção e pelo conselho de administração. A Iveco é líder em veículos a gás na Europa e, por razões que não tem a ver com este contexto, demorou a lançar produtos no Brasil. A Scania entende que, para esta década, os caminhões a gás são alternativa bastante interessante para nichos de operações. Ela já vendeu 600 unidades e quer vender 1.000 em 2023. O inimigo da Scania é a carga tributária, pois muitos dos itens do caminhão são importados. A Mercedes-Benz aposta no hidrogênio verde como uma solução mais definitiva e está aguardando o momento mais adequado para lançar os modelos com célula de combustível. Inclusive, a Daimler Trucks (dona da Mercedes-Benz) fez uma joint venture (sociedade de risco) com a Volvo Trucks para isso. A Volvo já testou caminhão movido a gás liquefeito com a White Martins e achou os custos muito alto. A Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) está apostando todas as fichas na eletromobilidade. O VW e-Delivery ele é um caminhão mais moderno e eficiente comparando com modelos norte-americanos, europeus e asiáticos, porém, ainda muito caro. No entanto, os projetos da VWCO, além de serem da engenharia brasileira, são muito superiores ao que vemos em países mais desenvolvidos. Ela tem na manga o ônibus e-Flex e, em breve, ela vai começar a testar o ônibus elétrico com bateria de nióbio. O que dificulta tornar esses projetos em realidade, novamente, é a carga tributária, que faz um veículo caro custar muito mais caro.

Então, quais seriam as alternativas?

São muitas. O que precisa fazer é dar visibilidade para elas e realizar investimentos. Além disso, pode existir políticas de Estado para ajudar a viabilização. Vou citar alguns exemplos:

O Sesc de Interlagos desenvolveu um curso para comunidades carentes produzirem o gás utilizado na residência a partir da reciclagem do lixo orgânico produzido na própria residência. A primeira pergunta que precisa ser feita é: se é possível fazer gás limpo em casa utilizando o próprio lixo, por que não conseguimos fazer isso em escala industrial? Existe fonte de energia mais democrática do esta promovida pelo Sesc? 

A resposta é que já começou a ser feito por iniciativa de poucas empresas, não como política energética do País. A Raízen já tem uma usina de produção de biogás e está montando usinas em diversas empresas, como Volkswagen do Brasil (nas fábricas de Taubaté e Anchieta), na Scania, rede de concessionários VW etc. O biogás é a base para a produção do biometano, o gás limpo que pode fazer caminhões, ônibus e qualquer motor de ciclo otto funcionar emitindo 95% menos de C02 em relação ao combustível fóssil, além de promover a economia circular e a reciclagem. Isso já é realidade em diversos países da Europa por meio da união de governos e empresas. O Brasil tem o maior potencial do mundo e poucos sabem disso ou tem outros interesses. 

A Gás Verde é, atualmente, a maior produtora de biometano. Produzido a partir dos resíduos de aterros sanitários (lixo urbano), o biometano oferece uma solução ambientalmente correta, que facilita o cumprimento de metas ESG, além de ser economicamente mais sustentável, pois é um combustível não sujeito a variações da taxa de câmbio e do preço do petróleo, como ocorre com o GNV.

Além disso, nós temos o etanol, podemos ter o HVO e o hidrogênio verde, o combustível mais limpo e eficiente do mundo, mas que, no momento precisa de investimentos para a sua viabilidade. 

Vamos encerrar por aqui, mas ainda não há muitas perguntas sem respostas. Vamos deixar uma para refletir: A ideia da Prefeitura de São Paulo de tornar o ônibus elétrico obrigatório, sem considerar as opções de biometano, HVO etc., vai aumentar a dependência do Brasil importar componentes e baterias da China enquanto? Qual será o reflexo no custo da cidade e aumento nos impostos?

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Marcos Villela
Jornalista técnico e repórter especial no site e na revista Transporte Mundial. Além de caminhões, é apaixonado por motocicletas e economia! Foi coordenador de comunicação na TV Globo, assessor de imprensa na então Fiat Automóveis, hoje FCA, e editor-adjunto do Caderno de Veículos do Jornal Hoje Em Dia e O Debate, ambos de Belo Horizonte (MG).