Por Adriana Ventura*

Quem vive em grande cidade ou pequeno município do interior sonha com mobilidade, ou seja, opções para se deslocar de modo rápido pelo imenso território brasileiro. Procura eficiência, fazendo o tempo render entre o ir e o vir, seja qual for a distância a percorrer. E também deseja viagens que façam – finalmente! – valer a relação custo-benefício.

Seria bom viver em um país onde imperasse a livre iniciativa, a desburocratização e o direito assegurado ao cidadão de escolher como e com quem quer se locomover. Contudo, a realidade do nosso mercado de transporte de passageiros é diversa – e a notícia recém-divulgada dimensiona o que impera em um dos setores desse mercado, o do transporte rodoviário interestadual. Dados oficiais da  própria agência nacional de transportes terrestres são uma dimensão do que impera nesse mercado. A saber: em 2019, cerca de 66% dos trechos interestaduais no Brasil eram operados por apenas 1 empresa; em 2021, esse percentual saltou para 73%.

Chama-se oligopólio, em economia, o domínio de um número reduzido de empresas sobre uma determinada fatia de mercado, que passa assim a controlar produtos e serviços. Vai na contramão do que há de liberal (e eficaz) praticado ao redor do planeta (União Europeia), pois impede a abertura de mercado, o aumento da competitividade, a redução de entraves regulatórios e a adoção de inovações tecnológicas que contribuem, entre outras benesses, para a redução de valor do serviço praticado.

Detalhando o que está em andamento há quatro décadas entre europeus, as medidas de liberalização do mercado de transporte de passageiros têm permitido que a concorrência se espalhe pelo continente, beneficiando o consumidor com a oferta de preços acessíveis e a multiplicação de destinos, sem perder a qualidade dos serviços. Uma revolução, que se contrapõe ao “rent seeking” tão em uso no Brasil que se baseia na conquista de privilégios como resultado da influência política (e não do mercado).

Com a bancada do NOVO, sou autora de uma ação popular contra nomeações políticas na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). As nomeações sem critérios técnicos contribuem para uma maior burocratização do setor, para a redução da liberdade no transporte, para a manutenção de oligopólios e facilita a corrupção dentro da administração.

Para desburocratizar o transporte rodoviário de passageiros, sugeri ao Executivo alterar o Decreto nº 2.521/1998 para que o Brasil avançasse no setor de transporte terrestre de passageiros. Propus projeto para acabar com a regra do circuito fechado no fretamento turístico, abrindo o mercado para novas empresas e para a atuação dos aplicativos (está tramitando na Câmara dos Deputados). Quando uma empresa de transporte municipal optava por realizar um trajeto, ela obrigatoriamente teria de voltar pelo mesmo local. Isso dificultava a permanência de empresas no setor e batia de frente com microempresários e com aplicativos de transportes.

O trabalho pela liberdade de transporte é árduo e permanente. A Associação Brasileira de Fretamento Colaborativo, organização recente composta por centenas de fretadores de ônibus que usam aplicativos como a Buser, vem travando uma batalha nas estradas brasileiras. De um lado, está a liberdade de mercado, de outro, os barões do transporte, grupo que tem inegável força política. No estado de São Paulo a discussão se faz ainda mais urgente; mesmo com uma legislação estadual favorável ao fretamento – que não exige o polêmico Circuito Fechado, tal como acontece no federal -, a agência reguladora das rodovias de SP segue empenhada numa escalada de blitze e apreensões contra empresas de turismo e fretamento que operam no estado. No último ano, foram registradas mais de 800 apreensões desse tipo, em ações sem base jurídica e contestadas nos tribunais. A fiscalização da agência se baseia em dois decretos estaduais: 29.912/89 e 29.913/89. A escalada de apreensões é feita de forma ilegal , sob a falsa alegação de que as empresas fretadoras estão oferecendo “transporte regular”, com a venda de passagens individuais – o que, na visão da agência, configuraria concorrência desleal com as tradicionais empresas que operam a partir das rodoviárias.”   

Esse movimento de perseguição contra a inovação também é visto em outros estados, Brasil afora. Operações de fiscalização também são lideradas pela ANTT, que mapeia as viagens reservadas por aplicativo para interrompê-las e depois reter os ônibus. A questão não é falta de autorização ou irregularidade, alegam os fretadores. E a gente sabe que eles estão certos. Quem trabalha no setor ou viaja de ônibus com frequência pelo País sabe que o que acontece não é falta de entendimento sobre a lei. É proteção de mercado.

E atenção: no transporte aéreo, a reserva de mercado é da mesma grandeza, daí ser o nosso País o 12º mais caro para viajar de avião no planeta. Quem se prejudica mais com toda essa interferência estatal no mercado de transportes que temos no Brasil é o cidadão comum, que com menos opções e concorrência, perde três vezes: em direito de escolha, em qualidade do serviço e no bolso. Esse não é o Brasil que nós almejamos construir. Esse não é um país que funciona em benefício dos brasileiros.

 

*Adriana Ventura é deputada federal e professora de gestão e
empreendedorismo na FGV-EAESP

Adriana Ventura é deputada federal e professora de gestão e
empreendedorismo na FGV-EAESP