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Rodrigo Chaves, vice-presidente de engenharia e CTO da VWCO

A entrevista abaixo, com Rodrigo Chaves, vice-presidente de engenharia e CTO da VWCO, foi publicada na edição 179 da revista TRANSPORTE MUNDIAL. Bastante esclarecedora sobre o tema eletromobilidade para veículos comerciais elétricos, com questãos diferentes de automóveis elétricos, a entrevista está sendo compartilhada também para os leitores do site. Confira:

No caso de caminhões e ônibus, diferentemente de automóveis, não basta trazer soluções prontas da Europa ou EUA para uma realidade tão diferente como a brasileira. E, no tema eletromobilidade, o desafio é maior ainda. A Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) fez parceria com cliente de peso (Ambev) e com fornecedores estratégicos para o desafio de desenvolver o VW e-Delivery. No embalo, também desenvolveu o Volksbus e-Flex. Para isso, inovou ao criar uma startup interna multiciplinar, a e-Mobility. Nesta entrevista, quem conta sobre os bastidores e desafios vencidos é Rodrigo Chaves, vice-presidente de engenharia da empresa. O executivo é graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em Engenharia Eletrônica e tem mestrado em Controle Eletrônico e Modelagem de Inteligência Artificial pela mesma instituição. Conta também com pós-graduações na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Insead e Harvard Business School. Iniciou sua carreira na VWCO em 1997. Nos últimos dois anos, representou a marca na área de Pesquisa e Desenvolvimento do grupo Volkswagen Truck & Bus (hoje Traton) na Suécia. Voltou ao Brasil em janeiro para assumir como vice-presidente de engenharia e CTO (Chief Technology Officer) da empresa.

TRANSPORTE MUNDIAL • O que a VWCO espera dessa parceria com a Ambev?
Rodrigo Chaves • Ela está se desenvolvendo de uma forma muito positiva. Eles trouxeram para nós uma necessidade, que era a iniciação de veículos elétricos na frota deles. Eles têm objetivos de redução de CO2 que precisam ser atingidos globalmente. Pela análise de impacto ambiental, para este cliente, a eletrificação de veículos chamados de last mile (última milha), que fazem a distribuição urbana, seria a forma de alcançar o objetivo. Dessa forma, a gente já tinha iniciado a atividade para desenvolver a partir de nossos de veículos urbanos de carga, e também de passageiros, que foi o conceito do Volks e-Flex que apresentamos no IAA. Na questão do e-Delivery, o produto veio ao encontro da necessidade do cliente que usa esse modelo em sua operação. Dessa forma, constituiu um ambiente propício, no qual, nós podemos, a partir dos testes estruturados, efetivar com a nossa tecnologia. Nossa área comercial também encontrou possibilidade de atender essas 1.600 unidades, que é o que a Ambev tem como plano maior para promover a descarbonização da frota. Pelo cálculo que foi realizado, esses 1.600 veículos são fundamentais para que o objetivo da redução de emissão de CO2 seja alcançado. Dessa maneira, a gente uniu trabalho de desenvolvimento de solução de transporte limpo com um cliente que, no poder do negócio deles, a eletrificação é a melhor alternativa. Nós acreditamos que não exista uma solução única para todas as demandas. Fomos pioneiros no Brasil no desenvolvimento de alternativas com biocombustíveis em projetos realizados em universidades, com operadores logísticos como Martin Brower, no uso de 100% de biodiesel por meio do reaproveitamento de óleo de frituras da rede McDonald’s. Fomos uns dos primeiros a fazer a homologação para usar 100% diesel de cana, temos solução de gás, HVO (diesel sintético), e também temos soluções elétricas. Por entendermos que não existe uma solução única para tudo, temos um portfólio para cada caso específico. A escolha da solução depende muito do tipo de negócio do cliente, tipo de estrutura que espera se utilizar, iniciativas públicas, órgãos, disponibilizadade dos tipos de combustíveis etc. No caso da Ambev, ela própria vai gerar a energia que vai consumir. Isso é algo que causa um impacto muito positivo no modelo de negócios deles. Converge para um resultado positivo que viabiliza a iniciativa.

TM • Qual a avaliação dos primeiros testes? 
Rodrigo • Já começamos a segunda fase (e-Delivery 6×2), na qual temos um veículo atualizado para alcançar níveis superiores com relação a eficiência elétrica e mecânica para melhoria do TCO (Custo Total de Propriedade) desse cliente.
 
TM • Qual é o cronograma de entrega desses caminhões?
Rodrigo • As primeiras entregas começam a partir de 2020 e as demais em etapas. Tudo após os testes de desenvolvimento e durabilidade do produto para que possa ser produzido de forma seriada. 

Bus VW 1

TM • A solução apresentada no ônibus Volksbus e-Flex, com motor flex 1.4 para recarregar as baterias do motor elétrico, pode ser usada no e-Delivery?
Rodrigo • Sim. São conceitos complementares, mas também modulares. O e-Delivery apresentado é um elétrico pleno, com conjunto de baterias capaz de recarga em período noturno ou em quando ele está parado. Existe a outra modalidade, na qual o veículo trabalha com menos baterias de carga rápida. Você pode recargar as baterias em locais com infraestrutura, enquanto o caminhão está parado para carga ou descarga. No caso da Ambev, as rotas são aleatórias, seguem uma definição mais por demanda do que por uma regularidade. Por questão de infraestrutura, o cliente optou por ter mais flexibilidade para mudar as rotas e não depender de infraestrutura para cargas rápidas.

TM • Essas 1.600 unidades poderão ter configurações diferentes entre elas?
Rodrigo – Podem sim. A nossa arquitetura é modular. Temos conjuntos de baterias que permitem carga rápida ou carga plena. No conceito e-Flex, utilizamos um motor flex de larga escala de produção (equipa vários automóveis Volkswagen, como Golf, Tiguan e Jetta), e quando ele utiliza etanol, da geração até a roda, ele consegue reduzir em mais de 92% as emissões de material particulado, óxido nitroso, entre outros, quando comparado com um veículo a diesel equivalente. Esta solução pode atender cidades que não têm os recursos para investir em infraestrutura de carregamento.

TM • No caso do motor flex que atua como gerador sem precisar de tracionar a roda, como é mensurado o consumo?
Rodrigo • Por hora. Como gerador, ele trabalha como estacionário. A rotação é constante e em níveis previstos. Portanto, na faixa de maior eficiência temos o menor consumo e emissões. Também com o sistema regenerativo, nas frenagens, pode-se recuperar até 30% da energia. Esse sistema também reduz os gastos com manutenção dos freios, com maior durabilidade de pastilhas e lonas. Esta solução é ideal para este início de eletrificação de frotas, pois utiliza múltiplas fontes de energia. Assim, precisa de um conjunto menor de baterias. Esse motor gerador é de menor custo por ser de larga escala de produção, fazendo com que todo o conjunto fique mais barato do que o de um veículo elétrico puro. Este tipo fica endereçado para zonas aonde não há tantas restrições para emissões. Mas, se no futuro o cliente quiser aumentar a autonomia para rodar sem o gerador de energia, basta acrescentar baterias. O sistema de carregamento é plug-in e pode ser carregado no modo de carga rápida ou lenta.

TM • Um dos problemas da carga rápida é a redução da vida útil da bateria ao longo do tempo. As pessoas já têm a experiência negativa com os celulares que perdem a durabilidade ao longo do tempo. O que existe de verdade e mito sobre isso?
Rodrigo • Para nós, o mais importante é a definição da missão do caminhão. Após isso, há baterias com características diferentes. Há as baterias de carga rápida para fazer o recarregamento de oportunidade, e temos outras baterias com outro tipo de formulação química que são de maior densidade de carga. A primeira tem mais densidade de potência. Você consegue entrar com uma quantidade de energia rapidamente, mas o que ela acumula é pequeno. A outra aceita uma quantidade de energia maior, mas o parâmetro de carregamento requer um abastecimento mais lento. Essas características precisam ser respeitadas. No nosso caso, utilizamos sistema de gerenciamento de carregamento porque qualquer que seja o nível de potência e carga que você imputa, esse sistema que chama BMS (Better Management Systems), vai respeitar exatamente a curva de carregamento da bateria. Quando você força o carregamento, uma célula da bateria que não foi otimizada para densidade de potência, mas que aceita uma carga lenta, pode ser danificada. E a vida útil da bateria reduz em função dessa característica.

TM • Ou seja, precisará treinar bem o operador para o uso correto.
Rodrigo • Sim. Primeiro, se ele quer veículos para operar dentro de um sistema que faça oportunidade de cargas rápidas, de alta densidade de potências, ou se ele vai ter dificuldade em fazer as oportunidades de carregamento. No nosso caso, para que isso não fique nas mãos do usuário, temos sistemas para ambos tipos de baterias, para evitar que o carregamento seja feito de forma inadequada. Assim, a bateria ao fim da sua vida útil deverá perder apenas 20% da sua capacidade inicial e, para compensar isso, podemos dimensionar 20% a mais de baterias para que o caminhão tenha a mesma autonomia do início ao fim de sua vida útil. Essa é nossa estratégia.

TM • A VWCO apresentou uma solução com uso de caixa de marchas no primeiro protótipo do e-Delivery, o que permite aumentar a autonomia ou reduzir a quantidade de baterias.
Rodrigo • A tendência é utilizar o mínimo de marchas possível e, em algumas aplicações, como rotas menores, dispensar a utilização de transmissões. O e-Delivery apresentado na Fenatran foi apenas um conceito, mas agora o foco é de aumento na eficiência energética e diminuição do custo. Neste ano fizemos atualização no produto. Temos as patentes na utilização do motor elétrico no balanço traseiro do veículo. É o primeiro caminhão com motor alocado na parte traseira. Isso é uma quebra de paradigma. O objetivo é ter um veículo mais robusto, pois atrás a gente consegue isolar melhor as vibrações e liberar as partes dianteira e central para a instalação de baterias. Em nosso modelo mais recente utilizamos um motor de magneto permanente, que é atualmente o estado da arte em eficiência elétrica. Antes era indução permanente. Assim, com o motor aplicado na parte traseira do chassi, nós dispensamos o uso de transmissões no e-Delivery. Então, este e-Delivery sem caixa é o que apresentamos no IAA com as nossas soluções e patentes.

TM • Com relação ao custo de produção, é divulgado por outros fabricantes que o elétrico custa três vezes mais do que um modelo similar a diesel. Christian Levin, diretor de vendas e marketing da Scania na Europa, também disse que, nas perspectivas deles, o caminhão elétrico puro somente terá o TCO viável a partir de 2031. Qual sua visão com relação aos custos?
Rodrigo • Modelos diferentes podem levar a resultados diferentes. Há clientes nos quais a eletrificação será a melhor solução. Para outros, pode ser o biocombustível ou gás. A avaliação depende da infraestrutura, custo e alcance da operação, e os benefícios de cada energia. No nosso caso específico com a Ambev, com a quilometragem que a frota roda e pelo custo da eletricidade (a Ambev vai gerar a própria energia), mesmo que o veículo seja mais caro, neste caso específico, em até 3 anos de uso, conseguem pagar o investimento inicial e, a partir daí, a terem resultados. Então, na nossa visão, respeitando a opinião de nossos colegas e as previsões que têm aí no mercado, é de que tendo o preço, tipo de energia e quilometragem, o custo de aquisição pode e será coberto pela eficiência operacional por km rodado mais atrativo. Depois de pago o investimento inicial, a redução do custo com energia e manutenção, pelo fato do elétrico ter poucas peças móveis, será bastante significativo, o que aumentará a rentabilidade da operação. Por exemplo, não há óleo e embreagem para trocar, reparos no motor, transmissões etc.

Nota da TM: Após esta entrevista e em outra ocasião, o vice-presidente de vendas, marketing e pós-vendas, Ricardo Alouche, acrescentou que hoje o elétrico é mais de três vezes o valor do diesel e que o objetivo acordado com a Ambev é chegar a três vezes o que, pelos cálculos da cervejaria, viabiliza totalmente a operação com os 1.600 caminhões e-Delivery devido ao baixo custo operacional. Assim, a VWCO trabalha com a meta de reduzir o custo do e-Delivery até 2020.

TM • No caso dos caminhões a diesel, pede-se uma idade média baixa da frota por causa das emissões e mudanças tecnológicas. E no caso dos elétricos?
Rodrigo • O veículo elétrico tem a manutenção do sistema de propulsão muito simples. O motor trabalha com baixíssimo nível de atrito e não tem peças de desgaste significativas. O sistema de maior desgaste é a bateria que, depois da primeira vida no caminhão, você consegue vendê-la para uma segunda vida em power bank (unidade armazenadora de energia). Além disso, há empresas que estão especializando na reciclagem e conseguem recuperá-la para voltar novamente para a operação. Assim, com pequena manutenção no sistema de tração é possível programar para rodar 10, 15 anos.

TM • Está definido se a Ambev vai comprar os caminhões com as baterias ou alugá-las?
Rodrigo • Este assunto está em desenvolvimento. Obviamente que a Ambev vai fazer o cálculo dessas opções, e ela vai escolher a quer for melhor para ela. Mas, neste primeiro momento, a intenção dela é comprar os caminhões com as baterias. O nosso objetivo não é só fazer a venda, mas levar para a Ambev o modelo de negócio que os tornem mais rentáveis.

TM • Hoje, há muitos protótipos de caminhões a gás, mas ainda não há modelos à venda comercialmente. Quando que a VWCO terá?
Rodrigo • Já temos caminhões VW Constellation a gás que foram operados pela Ambev. Temos produtos rodando na América Latina, no México com ônibus urbano, veículos de entrega de curta e média distância e, depende da atratividade e disponibilidade do combustível. Hoje, o transportador precisa investir para levar o gás até a garagem e compressores para abastecimento. Para fazer o investimento, o frotista precisa olhar no longo prazo e ter maior transparência sobre a estabilidade do preço do gás. Não adianta ir para o gás e, depois do investimento, o diesel ser mais atrativo. Nós já estamos prontos para o gás natural veicular, biometano, HVO (diesel sintético), biodiesel e diesel de cana. Já temos veículos a gás homologados para atender os frotistas quando eles se acharem preparados para utilizarem este combustível alternativo. Não somos a empresa da eletrificação, dos veículos a diesel e nem dos combustíveis alternativos. Somos a empresa focada em fazer o nosso cliente a ter resultado, e acreditamos que colocamos todas essas tecnologias disponíveis. Uma delas pode ter mais atratividade do que outra para cada operação. Então, sempre vamos cooperar com o cliente e com as autoridades públicas com a melhor solução. E também não podemos negar que toda a sociedade quer alternativas de energias mais limpas, principalmente nas grandes cidades e temos que oferecer as tecnologias para isso.

TM • Foi criada uma unidade para eletrificação dentro da VWCO.
Rodrigo • Sim, a e-Mobility. Nessa área começamos como uma startup com profissionais com espírito empreendedor, alguns de áreas fora do setor automotivo, como ciência da computação, automação, aéreo espacial e da indústria elétrica. Isso para conseguir um modelo um pouco desconectado de atividades que pudesse causar um atraso nesses desenvolvimentos. A startup foi criada dentro da engenharia e nos ajudou muito a colher os resultados que estamos tendo agora. Como engenheiro brasileiro, fiquei muito feliz em levar o e-Delivery e o e-Flex para o Salão de Hannover como produtos desenvolvidos por um time de profissionais brasileiros.

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Marcos Villela
Jornalista técnico e repórter especial no site e na revista Transporte Mundial. Além de caminhões, é apaixonado por motocicletas e economia! Foi coordenador de comunicação na TV Globo, assessor de imprensa na então Fiat Automóveis, hoje FCA, e editor-adjunto do Caderno de Veículos do Jornal Hoje Em Dia e O Debate, ambos de Belo Horizonte (MG).